Orçamentos cortados pela metade. Bolsas estagnadas. Editais cancelados. Instituições de pesquisa sem dinheiro para pagar serviços básicos de limpeza e segurança. Risco de desabastecimento de radiofármacos, essenciais para o diagnóstico do câncer. Um supercomputador novinho em folha, desligado para economizar na conta de luz. Essa é a realidade da ciência brasileira, que vive a maior crise financeira de sua história, e contempla o risco de um ano ainda pior em 2017.
O orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para este ano já é 50% menor do que em 2010, em valores corrigidos pela inflação, e a proposta do governo é manter esse orçamento congelado para o ano que vem, apesar da fusão com o Ministério das Comunicações.
– Se isso for aprovado, pode esquecer. Acabou ciência e tecnologia no Brasil – diz o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich.
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O orçamento atual do MCTI é de R$ 4,6 bilhões, mas cerca de R$ 500 milhões estão contingenciados. O que a pasta pode gastar, portanto, são R$ 4,1 bilhões. Em valores corrigidos, esse limite é 27% menor do que em 2006 e 52% menor do que em 2010, enquanto o número de pesquisadores no país dobrou nos últimos dez anos.
Em maio deste ano, o MCTI foi fundido com o Ministério das Comunicações (dando origem ao MCTIC), mas cada pasta manteve seu orçamento. A proposta agora, para 2017, é unificar as contas dos dois setores.
– Ano que vem é R$ 4,1 bilhões para todo mundo – disse o ministro Gilberto Kassab, no início do mês.
– O que já era irrisório vai ficar ainda menor. É um absurdo, estamos andando para trás – diz a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Helena Nader.
Países mais desenvolvidos, segundo ela, estão fazendo exatamente o oposto: investindo mais em ciência e tecnologia para sair da crise. Kassab disse que a comunidade científica está "coberta de razão", e está empenhado em elevar a proposta orçamentária da pasta para 2017.
– Esse discurso de que não tem dinheiro para ciência e tecnologia é ridículo. O que falta é uma definição política clara no sentido de priorizar setores – afirma Davidovich.
Fundo Nacional para ciência pode ter nova redução
O orçamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que já foi reduzido em 50% para este ano, pode cair pela metade novamente em 2017, eliminando a capacidade da Finep – empresa pública que administra o fundo – de fazer novos investimentos em pesquisa no país.
O limite de empenho previsto para o FNDCT no Projeto de Lei Orçamentária Anual 2017, segundo a Finep, é de R$ 982 milhões, comparado a R$ 1,9 bilhão neste ano e R$ 4 bilhões, em 2015, em valores corrigidos. Isso, apesar de a arrecadação anual do FNDCT permanecer constante, na casa dos R$ 3,7 bilhões, e de a Finep ter restos a pagar da ordem de R$ 2 bilhões, referente a editais já contratados nos últimos anos.
O orçamento atual "não dá nem para cobrir os restos a pagar dos anos anteriores", disse o presidente da Finep, Wanderley de Souza, em palestra na reunião anual da SBPC, em julho, em Porto Seguro.
– Permite continuar o que estamos fazendo, mas não lançar coisas novas – completou.
O FNDCT é abastecido anualmente com recursos oriundos de vários setores da indústria – por exemplo, de impostos sobre a exploração de recursos hídricos e minerais –, e seus recursos deveriam, por lei, ser investidos integralmente em ciência e tecnologia. Mas não é o que acontece. Nos últimos anos, os recursos do FNDCT foram sistematicamente contingenciados para manutenção do superávit primário.
– Estão coletando impostos para uma finalidade e aplicando em outra – diz o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich.
Várias entidades da comunidade científica acadêmica e empresarial enviaram uma carta conjunta ao Congresso Nacional na semana passada, solicitando que o fundo não seja mais contingenciado. "É fundamental que o orçamento do FNDCT para 2017 permita a utilização plena dos recursos que serão arrecadados, de modo a se reverter o grave quadro atual", diz o documento.
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