Por algum motivo inexplicável, sempre achamos que a vida do outro de vez em quando (ou frequentemente) é muito mais interessante que a nossa. Que aquela pessoa que você encontra no elevador sempre bem escovada, perfumada, com um look da moda, em cima do salto 10cm e com um sorriso de causar inveja na garota propaganda da Colgate é bem amada, profissional renomada, tem um monte de amigas leais, uma legião de ajudantes e nunca vive um bad hair day.
Vou te contar um segredo: acho um tremendo saco aquela história de que mulher isso, mulher aquilo, mulher aquilo outro. Tem que dar conta do trabalho, da casa, dos amigos, da família, do cachorro, do periquito, do marido/noivo/namorado, das unhas, da depilação, da malhação, do peeling, da drenagem linfática, da progressiva. Quem disse que precisamos dar conta de tudo? Eu sou só uma, e você? Vou te contar mais um segredo: um dia pensei que fosse a Mulher Maravilha. Me dei mal, viu?
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Quando trabalhava em agência de propaganda, saía de casa pela manhã, voltava para casa quando escurecia, passava no supermercado, chegava em casa, fazia o jantar, dava atenção para a pequena Juno (a yorkshire mais linda do Brasil e do mundo), contava como tinha sido o dia para meu marido, colocava roupa na máquina, malhava, passava creme no cabelo, jogava desinfetante no banheiro, recolhia o lixo, escrevia, lia, separava as roupas para mandar para a costureira, ligava para minha mãe, combinava de almoçar com uma amiga, ia dormir tarde, no outro dia acordava cedo, preparava o café, ia ao dentista ou ao médico, ia para a agência, no horário de almoço ia ao banco, fazia as unhas ou encontrava alguma amiga, voltava a trabalhar, saía, ia para a casa, ligava para a faxineira para confirmar se ela iria mesmo, se não ia me dar o bolo como na outra semana e assim a vida andava (a)normalmente. Não conseguia me organizar e vivia cansada. Ganhei de presente, numa caixa bonita e com um laço de fita, a Síndrome do Pânico. No fim das contas, descobri que tentava dar conta de tudo e não dava conta de nada, pois algo ficava pela metade. No final de semana só queria dormir, não tinha ânimo para mais nada.
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Quando saí de agência, o pessoal do meu prédio deve ter achado que virei uma desocupada, afinal, meus horários são bem flexíveis. Tenho reuniões no meio da manhã ou da tarde, ao vivo ou via Skype. Vou para a academia às 10h ou 11h. Faço a unha no meio da tarde. Em compensação, muitas vezes trabalho até de madrugada, incluindo sábados, domingos, feriados e dias santos. Mas não pense que é tudo glamour: não tenho ajudante. A faxineira vem uma vez a cada quinze dias. E nos outros dias lá está a tia Clarissa pesquisando no supermercado mil e um produtos poderosos que acabam com a sujeira em cinco minutos. Descobri que trabalhar em casa é um trabalho duplo, pois você é uma profissional e uma dona de casa. Ao mesmo tempo. E é bem cansativo. Hoje eu assumo numa boa: não dou conta de muitas coisas, mesmo tendo mais "tempo livre" (cof, cof).
Por outro motivo inexplicável, sempre pensamos que os outros não têm problemas (já percebeu?). E que nós somos os maiores sofrenildos do planeta Terra. Quase sempre esquecemos que somos humanos. E os humanos, você sabe, são complicados e têm defeitos. Muitos deles podem não ser vistos a olho nu, mas com um microscópio lá no fundinho da alma dá pra enxergar tudo. Não existe uma vida 100% feliz e realizada o tempo inteirinho. Aquela moça que você encontra sempre elegantemente linda no elevador tem uma série de problemas, talvez piores que os seus e os meus juntos. Ela também tem um caminhão de dúvidas, incertezas, inseguranças, trapalhadas, complicações. E também deve frequentar um bom analista.
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