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Exibido na competição do Festival de Veneza de 2021 e lançado pela plataforma de streaming Star+ no dia 22 de julho, Concorrência Oficial (Competencia Oficial) reúne no elenco um trio espetacular do cinema falado em espanhol. Penélope Cruz, 48 anos, e Antonio Banderas, 62 no dia 10 de agosto, são colaboradores recorrentes do cineasta Pedro Almodóvar. Ela ganhou o Oscar de atriz coadjuvante por Vicky Cristina Barcelona (2008) e concorreu à estatueta dourada por Volver (2006) — que valeu o troféu de melhor atriz no Festival e Cannes —, Nine (2009) e Mães Paralelas (2021), pelo qual foi laureada em Veneza. Ele recebeu o prêmio de ator em Cannes e foi indicado ao Oscar por Dor e Glória (2019). O terceiro nome é o argentino Oscar Martínez, 72, outro vencedor da Copa Volpi em Veneza — por O Cidadão Ilustre (2016) —, visto também nas comédias Relatos Selvagens (2014), Toc Toc (2017) e Viver Duas Vezes (2019).
Dirigido pelos argentinos Mariano Cohn e Gastón Duprat, que assinam o roteiro com Andrés Duprat, o filme fecha uma espécie de tetralogia. Em O Homem ao Lado (2011), a dupla refletiu sobre os aspectos mais absurdos da arquitetura ao acompanhar a guerra travada por dois moradores de um prédio de Le Corbusier por causa da construção de uma janela. Em O Cidadão Ilustre, Martínez interpreta um escritor que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura graças a livros nos quais retrata com olhar crítico a vida provinciana em Salas, a pequena cidade onde nasceu — e para onde retorna após muitos anos, em uma visita cheia de surpresas e perturbações. Depois de retratar o mundo literário, Duprat realizou Minha Obra-Prima (2018), sobre um plano ousado tramado por um negociante de arte e um pintor desajustado. Agora, os dois diretores miram nos paradoxos e no ridículo da indústria cinematográfica.
O tal trio espetacular na verdade é um quarteto. O primeiro personagem a surgir em cena é o riquíssimo empresário vivido por José Luis Gómez, 82 anos, melhor ator no Festival de Cannes por Pascal Duarte (1976) e coadjuvante em títulos como Sombras de Goya (2006) e A Pele que Habito (2011). Às vésperas de se tornar octogenário, Humberto Suárez deseja deixar um legado. A ideia inicial é construir uma ponte, mas logo pensa em financiar um filme. Parece uma valorização do abstrato sobre o concreto, da arte sobre a engenharia, certo? Acontece que Suárez sequer leu o romance a ser adaptado pela prestigiada — e excêntrica — diretora Lola Cuevas (Penélope Cruz, saboreando cada instante do papel), autora dos fictícios A Chuva Invertida, O Vazio e Bruma. É ela quem nos conta do que se trata o livro chamado Rivalidade, uma tragédia protagonizada por dois irmãos.
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Para interpretar esses dois personagens, Lola decide convocar dois atores antagônicos. Antonio Banderas interpreta Félix Rivero, uma versão exagerada de si mesmo: um ator espanhol que fez sucesso em Hollywood. Veste roupas chamativas, dirige carros de luxo e está sempre rodeado por mulheres. Oscar Martínez encarna o espartano Iván Torres, astro dos palcos cujo maior sinal de riqueza parece ser a vasta biblioteca.
Desde o primeiro encontro, o choque entre Félix e Iván vai produzir faíscas de humor — em um tom acertadamente mais ácido do que a sinopse permite pressupor. É bem verdade que Concorrência Oficial perde por praticamente abandonar o personagem do empresário financiador, que poderia ser mais acionado para a geração de novos conflitos, de modo a evitar reiterações no duelo principal. Mas esse embate é, por si só, muito recompensador.
Cohn e Duprat se concentram no processo criativo para as filmagens de Rivalidade, envolvendo, por exemplo, a leitura do roteiro e exercícios psicológicos para a construção dos personagens. Em meio às piadas, o espectador depara com reflexões não raro geniais sobre o trabalho de ator, um ofício marcado tanto pela egolatria quanto pela insegurança, tanto pela autenticidade quanto pela impostura. Há pelo menos uma sequência brilhante e antológica: aquela em que Lola Cuevas propõe a destruição do ego, nos lembrando do destino inevitável das coisas materiais. O que fica é aquilo que sentimos, mensagem reforçada no monólogo final, que nos pergunta: quando um filme termina?