Depois de O Som do Silêncio (2019) ressoar nas grandes premiações, incluindo seis indicações ao Oscar, outro filme sobre surdez se faz ouvir no burburinho rumo à estatueta dourada concedida pela Academia de Hollywood (leia mais ao fim do texto). É No Ritmo do Coração (2021), da cineasta estadunidense Siân Heder, disponível para aluguel ou compra na Apple TV, no Google Play e no YouTube.
CODA, o título original, é a sigla de Child of Deaf Adults, filho de pais surdos. Trata-se da versão de uma comédia dramática francesa, A Família Bélier (2014). A premissa é a mesma, trocando uma fazenda por uma cidade pesqueira: única ouvinte e falante entre os Rossi, a adolescente Ruby (papel de Emilia Jones, a Kinsey da série Locke & Key) serve de intérprete nos negócios e em tarefas cotidianas. Ela se sente excluída tanto em casa quanto na escola, por causa da classe social e pela condição familiar. Atraída por um colega de escola que canta, Miles (Ferdia Walsh-Peelo, o Alfred do seriado Vikings), resolve se inscrever nas aulas do coral comandado pelo professor Bernardo Villalobos (o mexicano Eugenio Derbez, equilibrando humor, rabugice e ternura). A situação acabará criando um dilema doloroso para Ruby, abrindo portas para temas como amadurecimento e pertencimento. Também convida à empatia — você já parou para pensar em como a música é percebida pelos surdos? Ou melhor ainda: já se colocou no lugar de alguém impedido de participar das animadas conversas de seu grupo de amigos/colegas?
Refilmagens de obras tão recentes parecem só existir por causa da resistência dos espectadores estadunidenses às legendas, mas neste caso vale dizer que, além da troca de pérolas do cancioneiro francês por joias em inglês como You're All I Need to Get By (de Marvin Gaye e Tammi Terrell) e Both Sides Now (de Joni Mitchell), há um significativo avanço em termos de representatividade. No original francês, os personagens com deficiência auditiva eram interpretados por atores que escutam. Em No Ritmo do Coração, são surdos Troy Kotsur, que encarna o pai de Ruby, Frank Rossi, Marlee Matlin, vencedora do Oscar de melhor atriz por Filhos do Silêncio (1986), que faz a mãe, Jackie, e Daniel Durant, que é Leo, o irmão mais velho.
No Ritmo do Coração rima inclusão com emoção e até com diversão. A diretora e o elenco conseguem dosar comédia e drama, a ponto de, por vezes, não sabermos se estamos chorando de tristeza ou de alegria. Ou até das duas coisas ao mesmo tempo (vide algumas cenas entre Ruby e seu pai). Certo é que este é um filme de encher os olhos — e os ouvidos: Emilia Jones arrepia como atriz e também como cantora.
Presença nas premiações
No início de fevereiro, No Ritmo do Coração abriu uma temporada muito fora da curva: diretoras ganharam vários dos principais troféus do cinema. O filme de Siân Heder recebeu quatro no Festival de Sundance: o de direção, o Grande Prêmio do Júri, o do público e um especial para o elenco. Também entrou na lista dos 10 melhores filmes de 2021 pelo American Film Institute e disputa no dia 9 de janeiro dois Globos de Ouro: melhor drama e ator coadjuvante (Troy Kotsur).
Depois do triunfo de No Ritmo do Coração em Sundance, vieram os Oscar de melhor filme e direção para Nomadland, da chinesa radicada nos Estados Unidos Chloé Zhao, a Palma de Ouro no Festival de Cannes para Titane, da francesa Julia Ducournau, e o Leão de Ouro em Veneza para O Acontecimento, realizado por outra cineasta da França, Audrey Diwan. A mostra italiana também concedeu o Leão de Prata para a neozelandesa Jane Campion, por Ataque dos Cães.
No final de novembro, A Filha Perdida dominou o Gotham Awards, destinado a produções com orçamento de até US$ 35 milhões: melhor filme, o Bingham Ray para diretores estreantes (a atriz Maggie Gyllenhaal), roteiro e atuação principal (Olivia Colman). O Gotham também laureou dois atores de No Ritmo do Coração: Emilia Jones, como revelação, e Troy Kotsur, como coadjuvante. Vale colocar na lista de conquistas femininas o primeiro lugar de First Cow: A Primeira Vaca da América, da estadunidense Kelly Reichardt, no top 10 da conceituada revista francesa Cahiers du Cinèma.