
As cicatrizes deixadas pela enchente do Taquari ainda estão visíveis em Cruzeiro do Sul, a cidade que teve mais vidas tragadas pelo rio em maio de 2024 (13, sem contar os corpos nunca localizados). Em alguns pontos, as margens arrombadas pela fúria das águas são feridas abertas.
No trecho que margeia a cidade, o leito do rio foi alargado, quase emendando a barranca com o asfalto da RS-129. Vista do alto do morro que abriga o casarão branco de janelas azuis, sede da Secretaria Municipal de Educação, a cidade vive uma normalidade aparente, mas o prefeito Cézar Leandro Marmitt, o Dingola, conhece bem a realidade dos moradores e sabe o quanto falta fazer no processo de reconstrução.
Vítima da enchente, o prefeito teve a casa destruída no bairro Glucostark e hoje mora de aluguel em um imóvel que não está imune a futuros alagamentos. Dingola estava ajudando a salvar moradores da cidade quando viu a água invadir sua própria casa — a família tinha saído horas antes, temendo pelo pior. Dá graças a Deus por estarem todos vivos.
E por mais estranho que pareça, agradece a Deus pela enchente de setembro de 2023, que também afetou a cidade, mas serviu de alerta para as pessoas fugirem enquanto havia tempo.
— Se essa enchente não tivesse ocorrido, muitas, mas muitas pessoas teriam morrido. Porque com a enchente de 2023, as pessoas se organizaram para sair das casas, abandonar as casas. E saíram porque ficaram com muito medo daquela que aconteceu em setembro.
No Passo de Estrela não houve tempo de todo mundo sair, porque a água não venceu a curva do Taquari e invadiu o bairro do qual só restaram ruínas e a imagem de Nossa Senhora de Fátima. Parte do local que será transformado num parque já está limpa, mas em outra ainda restam entulhos. Os moradores estão espalhados, vivendo de aluguel social, abrigo de parentes, casas em áreas de risco, imóveis comprados pelo governo federal e, mais recentemente, em moradias provisórias montadas pelo governo do Estado onde será o bairro planejado.
Habitação é o maior desafio para Cruzeiro do Sul, que espera para o segundo semestre a entrega das primeiras casas definitivas no Novo Passo de Estrela. Foram 1.109 casas condenadas, que deveriam ter sido desocupadas. Nem todas foram. Por não terem para onde ir, ainda há famílias morando quase dentro do rio e tendo pesadelos quando a previsão do tempo indica chuva. Cedo ou tarde, todos terão de ser reassentados.
Infraestrutura devastada
As preocupações do prefeito Dingola não terminam nas moradias. A infraestrutura do município foi devastada. Escolas e unidades básicas de saúde tiveram de ser reconstruídas. As estradas do interior firam intransitáveis. Todo o parque de máquinas foi perdido. Metade das casas tiveram isenção de IPTU, porque foram atingidas pela enchente, e isso fez cair drasticamente a receita própria.
A economia encolheu e com ela a arrecadação de impostos. Com mais despesas e menos receita, Dingola não sabe como fechará as contas neste ano e já começa a se preocupar com o 13º salário dos funcionários públicos.
— A maior dificuldade hoje é, de fato, financeira. A gente não consegue ter dinheiro suficiente para manter o necessário, que dirá recuperar o município? — desabafa o prefeito.