
O jornalista Henrique Ternus colabora com a colunista Rosane de Oliveira, titular deste espaço.
O relatório final do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) apontou que a prefeitura de Cachoeirinha teve um prejuízo de R$ 3,8 milhões na compra de 321 telas interativas. Uma empresa e três pessoas são apontadas como responsáveis pela desvantagem, entre elas o prefeito reeleito Cristian Wasem (MDB).
A negociação foi feita em setembro de 2022 com a empresa Smart Tecnologia. Os equipamentos são importados da China, e foram adquiridos pelo custo unitário de R$ 32 mil, em um processo de adesão a ata de registro preço — quando o órgão público, em vez de realizar nova licitação, aproveita um processo de outro ente — do Consórcio Intermunicipal de Saúde do Vale do Rio Taquari (Consisa VRT). O valor total do negócio foi de R$ 10,27 milhões.
Segundo o TCE-RS, não houve vantagem para a prefeitura de Cachoeirinha em adotar este modelo de compra. Além disso, o tribunal aponta deficiências no processo e irregularidades, como extrapolar o quantitativo máximo permitido do modelo de negócio.
Em negociações realizadas via adesão, a legislação permite que a prefeitura adquira um limite máximo de 50% dos produtos registrados. Como a licitação do Consisa VRT foi de 600 equipamentos, o município de Cachoeirinha poderia ter comprado no máximo 300 telas, e não as 321.
"Em sede de esclarecimentos, a defesa do município silenciou quanto a esta ilegalidade", afirma trecho do relatório.
Segundo o relatório, a adesão não foi vantajosa para o município, já que a própria Secretaria de Educação da cidade havia feito aquisição recente de 38 telas interativas com preços "consideravelmente inferiores". Além disso, foram apresentados equipamentos semelhantes aos comercializados pela Smart ao preço unitário de R$ 19,3 mil, um terço a menos do valor pago pela prefeitura de Cachoeirinha.
A situação teria sido reportada de forma "contundente" ao prefeito em memorando elaborado pela Superintendência de Compras e Licitações da prefeitura.
"A manifestação dos servidores, pela forma como se deu e diante do que constava nos autos até então, exigiria uma atuação diligente e precavida de, no mínimo, determinar que novas verificações fossem realizadas a fim de rebater e trazer novos elementos que pudessem comprovar que a avaliação da Superintendência de Compras e Licitações estava equivocada. Ao invés disso, atuou dando respaldo ao deficiente processo de aquisição, mesmo sendo alertado das irregularidades presentes na condução do referido processo", diz trecho.
Por fim, o relatório recomenda que o tribunal determine a devolução "solidária" dos R$ 3,8 milhões por parte dos envolvidos. A auditoria ainda pede multa ordinária, multa proporcional ao dano causado ao erário e avaliem se há necessidade de bloqueio de bens para garantir ressarcimento.
Contrapontos
Prefeito Cristian Wasem
Procurada, a prefeitura de Cachoeirinha e a equipe do prefeito Cristian Wasem optaram por não se manifestar neste momento. No processo, a defesa argumentou que o custo-benefício foi levado em conta na aquisição das telas interativas.
"O adquirente público deverá preferir não aquele de menor preço no ato de compra, senão o que gerará menos gastos públicos totais ao longo de seu ciclo de vida. Este ponto, este viés, não foi trazido ao contexto em nenhum momento. Houve sim alegação de ausência de vantajosidade, baseada em sobrepreços comparados inicialmente com contratações de universidades, e não através do sistema de preço Licitacon", afirma.
Ainda na manifestação, a defesa do prefeito aponta que o preço referencial de mercado "é um conceito complexo", já que os mercados público e privado operam de maneiras distintas. Além disso, os advogados alegam que os equipamentos comprados pela prefeitura de Cachoeirinha "são completamente diferentes dos comparados pela auditoria" para apontar sobrepreço.
Com dados do portal Licitacon, que acompanha as licitações do poder público no Brasil, a defesa apresenta uma tabela de certames realizados por outros municípios gaúchos, entre 2017 e 2022, nos quais as telas interativas foram compradas por valores entre R$ 29,8 mil e R$ 50,3 mil.
A manifestação ainda diz que há "evidências concretas" que demonstram a boa-fé do prefeito. Sobre a extrapolação do limite, o argumento é de que houve padronização dos equipamentos adquiridos.
Smart Tecnologia
Já a empresa responsável pela venda das 321 telas interativas corrobora os argumentos da defesa do prefeito a respeito do sobrepreço, alegando que a auditoria se baseia em valores de produtos diferentes dos adquiridos por Cachoeirinha. Além disso, os preços usados para comparação teriam sido orçados após a negociação feita pela prefeitura.
"Das três referências utilizadas, apenas o certame realizado pelo município de Campinas do Sul/RS consta registrado no sistema Licitacon (com valor de R$ 20,9 mil por unidade). Chama atenção o fato de que o sistema gerido pelo TCE-RS apresenta pluralidade de certames e contratações registradas para objeto similar mas que registram preços compatíveis ou maiores do que o valor questionado na contratação realizada pelo município de Cachoeirinha, derrubando, portanto, o alegado sobrepreço", aponta a defesa.