
O jornalista Henrique Ternus colabora com a colunista Rosane de Oliveira, titular deste espaço.
Após uma semana de imersão em projetos e obras de resiliência climática e proteção contra cheias na Holanda, o prefeito Sebastião Melo voltou a Porto Alegre com mais certezas do que dúvidas. Em entrevista à coluna, Melo detalhou as observações que fez do sistema holandês, destacando a gestão da bacia, o papel das universidades e a importância de realizar projetos e obras bem elaborados.
O prefeito disse que fez questão de viajar com à Holanda com governador Eduardo Leite "para garantir um trabalho integrado". A viagem deveria ter sido realizada no ano passado, mas foi adiada após problemas de agenda.
Leia a entrevista
O que o senhor aprendeu na Holanda?
O governo holandês trabalha com uma premissa que é vir da universidade primeiro, ou seja, o sistema tem que ser testado, tecnicamente, para poder ir para vida real. Tem um casamento do governo com a universidade, mais um terceiro ator que é a iniciativa privada. A conscientização do povo sobre a questão do espaço para as águas, proteção de cheias, é uma coisa muito presente na cabeça de cada holandês, e isso é uma coisa que a gente precisa trabalhar muito aqui. A viagem reforçou a nossa convicção de que a gente tem que fazer boas legislações, tem que ter bons projetos, tem que ser feito com bastante conceito de boas engenharias, inovação. Trabalhar muito para que empresas boas ganhem essas concorrências, porque para ter boa obra tem que ter bons parceiros. Ficou cada vez mais claro para o governador e para mim que, além de fazer as obras, você precisa ter uma governança das águas. O governador até defendeu uma ideia que eu achei interessante que é criar uma autoridade das águas.

Qual a visão deles sobre cheias?
Os projetos mais robustos saíram das gavetas quando aconteceram as grandes cheias, mas eles já estão projetando a Holanda para o ano de 2120. Eles estão mil anos na nossa frente. Eles olham o país como um todo, não tem nenhuma obra que é feita olhando para um município. Eles olham como funciona a bacia de um rio, como funciona o mar e a partir desse funcionamento é que as obras são decididas. Uma obra em um município que, em tese, não sofreria de alagamento, é feita porque tem uma concatenação, tem uma interligação com o conjunto das bacias. Não tem como fazer uma proteção de cheias olhando apenas para uma cidade.
Como esse aprendizado será usado em Porto Alegre?
A gente fez um acordo de R$ 7 milhões com a Universidade de Delft sobre a questão das ilhas. O trabalho de campo começa a partir do final de março. O produto será uma espécie de Masterplan, um plano diretor sobre o que se pode fazer nas ilhas. Das obras emergenciais, nós já fechamos três comportas das sete e meia que vamos fechar. Estamos consertando os defeitos no muro da Mauá, já tem empresa contratada e estamos aguardando um laudo da estrutura do muro. As obras mais futurísticas vai depender do estudo que envolve o Estado. A gente filmou tudo lá, as apresentações foram disponibilizadas para nós também. Na Universidade de Delft, eles construíram uma alternativa para os bags, os sacos de areia, com uma espécie de grande lona, forte, que eles enchem de água, e vão amontoando uma em cima da outra. São alternativas apresentadas para questões provisórias.

Como é a relação entre as esferas de governo?
Eles têm um sistema de competência, em que essas grandes obras, todas elas, são bancadas pelo governo central. No entanto, a governança dessas obras e a manutenção geralmente é feita pelos governos locais e até por privados. Aqui, para resolver a proteção de cheias, têm que estar muito juntos governos federal, estadual e municipal. Na medida do possível, nós estamos juntos. As obras deles são bancadas e feitas pelo governo federal. Aqui o modelo encontrado foi de repassar o recurso para o governo do Estado e o Estado fazer as obras. Esse é um modelo à moda brasileira. Proteção de cheia é tu não permitir que a água entre na cidade. Isso tem um papel da União, tem um papel do governo do Estado e tem um papel nosso também. Agora, o papel de tirar a água da cidade para dentro do rio é a competência da prefeitura de Porto Alegre.
Como resolver os problemas?
Os financiamentos que nós estamos tratando, seja nacional, seja internacional, e seja também do PAC, vão dar conta de muita dessas obras e também da parceirização do Dmae. Qualquer dinheiro que advenha dessa parceirização vai para a drenagem urbana, porque são dois dramas que a cidade tem: proteção de cheias e alagamentos. A cidade cresceu muito em número de população e a sua infraestrutura não acompanhou. Então essas redes são inadequadas, menores, são redes que estouram. As pessoas perguntam assim: "Tem alagamento na cidade?". Tem hoje e tinha antes das enchentes. Isso não se resolve da noite pro dia, tem que ter obra. Para resolver enchente, para resolver drenagem urbana, tem que ter dinheiro, obra de drenagem e casa de bomba.
Está no radar da prefeitura construir mais casas de bombas?
Não basta só 23, tem que ter muito mais casas de bombas. Tem que melhorar as que estão aí e tem que ter muitas outras casas de bombas, porque tem cota baixa em muitos lugares da cidade e quando isso acontece a água fica no cano e não sai se não for empurrada pela bomba.