
Colocado no banco dos réus pela unanimidade dos cinco ministros da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, o ex-presidente Jair Bolsonaro tentou emplacar a narrativa do perseguido que sempre jogou “dentro das quatro linhas”. Chegou a dizer que os ministros do Supremo devem ter alguma coisa pessoal contra ele para aceitar uma denúncia infundada.
É teatro para as redes sociais, que não se sustenta nos fatos. A verdade é que Jair Messias Bolsonaro começou a colher o que plantou ao longo de sua vida pública e, principalmente, na Presidência da República.
Seus derradeiros meses entre o Palácio do Planalto e o da Alvorada foram um delírio coletivo, alimentado por notícias falsas e esperanças vãs de que conseguiria impedir a posse do presidente eleito. Antes disso, acreditou que só uma fraude nas urnas eletrônicas impediria sua vitória. Ele, que na pandemia não simpatizava com as vacinas, tratou de se imunizar contra uma possível derrota, difamando o sistema eleitoral.
Ao não aceitar o resultado das urnas, incentivou seu rebanho de seguidores a manter vigília em frente aos quartéis. Contou com o diligente general Braga Netto para espalhar entre os amigos que tivessem paciência, porque alguma coisa iria acontecer. “Não percam a fé”, aconselhava Braga Netto, enquanto o grupo que agora fará companhia ao ex-presidente no banco dos réus articulava uma forma de se manter no poder.
Quando percebeu que não contaria com o Exército e a Aeronáutica, Bolsonaro desistiu do plano e, para não passar a faixa ao sucessor, “voou para a América”, como a Iracema da canção de Chico Buarque. Estava na Flórida naquele fatídico 8 de janeiro quando a horda de vândalos arregimentados em diferentes cidades do Brasil invadiu a Praça dos Três Poderes e promoveu um festival de depredações.
— 8 de Janeiro não foi um domingo no parque — disse o ministro Alexandre de Moraes, exibindo imagens que nem precisaria mostrar para convencer os outros quatro ministros da necessidade de abrir a ação penal que vai sacudir o Brasil nos próximos meses.
A intenção de Moraes, ao que tudo indica, era mostrar ao Brasil, não aos colegas, que a narrativa de uma manifestação promovida por velhinhas com a Bíblia embaixo do braço não para em pé. Da mesma forma, ele desmontou a farsa dos advogados de defesa de que não tiveram acesso aos autos ou o discurso de Bolsonaro de que a investigação foi secreta.
A colheita de Bolsonaro está recém começando. Se ele tivesse entendido que a democracia prevê a alternância de poder e que ganha o mais votado e não o que reúne maior torcida em aeroporto ou feira agropecuária, hoje poderia estar curtindo suas aposentadorias e seu salário pago pelo PL nos Estados Unidos de Donald Trump ou na Argentina de Javier Milei. Seu erro foi a embriaguez do poder. Cercou-se de civis incapazes e militares ultrapassados, saudosistas da ditadura de 1964, e achou podia reverter o resultado da eleição na marra.
ALIÁS
Ao retomar a cantilena de que houve fraude na eleição de 2022 ou que teria vencido no primeiro turno em 2018, Bolsonaro mostra que está perturbado emocionalmente. Se até as Forças Armadas atestaram que a urna eletrônica é confiável, ficar batendo na mesma tecla só mostra a fragilidade dos argumentos da defesa.