Com 121 itens, a versão final das diretrizes do programa de governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ser definida como uma carta de intenções escrita com o cuidado de contemplar os eleitores fiéis do PT sem afugentar os novos aliados. Essas diretrizes vão orientar a elaboração do plano de governo propriamente dito, uma peça que deveria ser o mais importante de uma campanha eleitoral, mas que acaba em segundo plano, mesmo com a obrigatoriedade de registro no Tribunal Superior Eleitoral.
No texto apresentado nesta terça-feira (21), em São Paulo, há um abrandamento do discurso de Lula, sobretudo nos pontos que causaram polêmica, como a revogação da reforma trabalhista. Na releitura da frase do candidato, a promessa é de propor ao Congresso uma nova legislação trabalhista, compatível com a nova economia e as novas formas de trabalho, revogando os itens considerados prejudiciais aos trabalhadores. O documento não fala em volta do imposto sindical, mas em fortalecimento dos sindicatos e em respeito às formas negociadas de contribuição. Clique aqui para ler a íntegra do documento.
Outro ponto que foi abrandado em relação aos discursos é o que trata da comunicação. Em vez da “regulação da mídia”, que pode ser traduzida como censura, o texto fala, no item 118, que “o direito de acesso à informação e aos meios de comunicação é essencial numa sociedade democrática, orientada pelos direitos humanos e para a soberania”. E acrescenta: “A liberdade de expressão não pode ser um privilégio de alguns setores, mas um direito de todos, dentro dos marcos legais previstos na Constituição, que até hoje não foram regulamentados. Esse tema demanda um amplo debate no Legislativo, garantindo a regulamentação dos mecanismos protetores da pluralidade, da diversidade, com a defesa da democratização do acesso aos meios de comunicação”.
O item 120 pode ser lido como uma referência indireta ao assassinato do jornalista britânico Dom Phillips, na Amazônia. Diz o texto: “Atuaremos para que o Brasil volte a ser considerado um país no qual o livre exercício da atividade profissional do jornalismo seja considerado seguro, onde a violência contra jornalistas, meios de comunicação, comunicadores e todos os profissionais de imprensa sejam coibidas e punidas. A democracia clama pela mais ampla liberdade de imprensa”.
O documento chamado de Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil ataca as políticas do governo de Jair Bolsonaro em praticamente todas as áreas, com destaque para educação, saúde, economia, ciência e tecnologia, cultura e meio ambiente. Coordenado pelo economista Aloizio Mercadante, com a participação de representantes dos partidos que apoiam a candidatura de Lula (PT, PSB, PSOL, PCdoB, PV, Solidariedade e Rede), o documento contém premissas universais, como a defesa da democracia, da liberdade de expressão, dos direitos humanos.
Há pontos de divergência explícita com os desejos do “mercado”. O programa refuta as privatizações em geral e da Petrobras e Eletrobras em particular, acena com a mudança gradual na política de preços dos combustíveis, promete a revogação do teto de gastos e assume o compromisso com uma reforma tributária Robin Hood, que cobre mais imposto dos ricos e menos dos pobres.
No capítulo destinado ao combate à corrupção, o documento destaca o compromisso com a transparência, cita os mecanismos de controle criados nos governos petistas para evitar o desvio de recursos públicos e, numa indireta à Lava-Jato, diz: “O nosso governo vai assegurar, com base nos princípios do Estado Democrático de Direito, que os instrumentos de combate à corrupção sejam restabelecidos, respeitando o devido processo legal, de modo a impedir a violação dos direitos e garantias fundamentais e a manipulação política.”