Presidente da Câmara que conduziu o impeachment de Fernando Collor, em 1992, o ex-deputado Ibsen Pinheiro (MDB) cunhou uma frase que explica por que os 56 pedidos de afastamento do presidente Jair Bolsonaro não foram adiante no mandato de Rodrigo Maia (DEM-RJ). “O que o povo quer, essa Casa acaba querendo”. A Casa ainda não quer o impeachment de Bolsonaro e Maia não é bobo para colocar em votação um pedido que, provavelmente, seria rejeitado.
A mais recente pesquisa do Datafolha mostrou que 42% dos entrevistados querem o impeachment, mas 53% são contra. Com esses números, a “Casa” também não quer. Outros pedidos serão protocolados nos próximos meses e caberá ao próximo presidente da Câmara decidir se arquiva ou leva adiante.
Por isso, Bolsonaro trabalha tanto por Arthur Lira (PP-AL), aliado do Planalto. Se o vencedor for Baleia Rossi (MDB-SP), a chance de um pedido ser aceito aumenta, dependendo, naturalmente, do objeto, da autoria e do ronco das ruas.
No primeiro semestre de 1992, a “Casa” não queria o afastamento de Collor, mesmo depois de a CPI ter mostrado que as falcatruas denunciadas por seu irmão, Pedro Collor, eram verdadeiras e que o tesoureiro Paulo César Farias havia montado um governo paralelo para achacar empresários.
A Câmara começou a querer de fato o impeachment de Collor depois daquele 7 de setembro em que o então presidente pediu que o povo fosse para as ruas vestindo verde e amarelo. A convocação teve efeito contrário e o que se viu foi uma multidão vestida de preto, com jovens de caras pintadas, gritando “Fora, Collor”.
Uma semana antes da votação, Ibsen ainda não tinha certeza se haveria votos suficientes para afastar o presidente. O ex-deputado, que morreu há um ano, sempre contava da pergunta que ouvira durante almoço com uma comitiva de parlamentares australianos, sete dias antes da aprovação do impeachment: “Como seria possível conseguir o apoio de dois terços dos deputados para afastar um presidente eleito com 36 milhões de votos?”.
— Respondi que era mais fácil obtermos a unanimidade do que os dois terços. Os australianos se olharam intrigados, achando que tinha havido problema de tradução — lembrava Ibsen.
Além do pedido que prosperou em 1992, outros 28 foram engavetados por inconsistência ou por falta de representatividade dos signatários. O aceito tinha como autores os presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcelo Lavenére, e da Associação Brasileira de Imprensa, Barbosa Lima Sobrinho. Dois nomes de peso, sem dúvida, mas o que derrubou Collor foi a rua.
Os presidentes da Câmara que sucederam Ibsen arquivaram 27 pedidos de impeachment de Fernando Henrique Cardoso, 37 de Luiz Inácio Lula da Silva e 67 de Dilma Rousseff.
O que resultou no afastamento de Dilma, assinado por Miguel Reale Júnior, Hélio Bicudo e Janaína Paschoal, só foi adiante por uma combinação de múltiplos fatores. Primeiro, a perda de popularidade. Segundo, a conspiração do vice-presidente Michel Temer e do MDB. Terceiro, o fato de o presidente da Câmara ser Eduardo Cunha, um deputado do MDB a quem o PT havia afrontado. O crime de responsabilidade atribuído a Dilma era tão frágil que se convencionou dizer que ela foi afastada “pelo conjunto da obra”.
Experimente um jeito mais prático de se informar: tenha o aplicativo GZH no seu celular. Com ele, você vai ter acesso rápido a todos os nossos conteúdos sempre que quiser. É simples e super intuitivo, do jeito que você gosta.
Baixe grátis na loja de aplicativos do seu aparelho: App Store para modelos iOS e Google Play para modelos Android.