A reação destemperada do presidente Jair Bolsonaro a uma pergunta sobre os depósitos de R$ 89 mil na conta de sua esposa, Michelle, soa como confissão de que Fabrício Queiroz é o calcanhar de Aquiles da família, a bomba-relógio capaz de implodir a construção em que se assenta sua imagem de honestidade.
O repórter do jornal O Globo, que questionou o presidente em frente à catedral de Brasília sobre os cheques depositados na conta da primeira-dama por Queiroz e sua mulher, Márcia Aguiar, tirou Bolsonaro do eixo. A pergunta teve o efeito de um toque em fio desencapado.
— Eu vou encher a boca desse cara na porrada. Minha vontade é encher tua boca na porrada — disse.
Tocado em seu ponto frágil, Bolsonaro, que ensaiava um papel de presidente paz e amor, vestiu a capa de homem das cavernas. Em vez de responder, partiu para a agressão, como se o problema fosse a pergunta e não as relações perigosas da família com Queiroz e com as milícias do Rio.
Quando apareceram os primeiros depósitos na conta de Michelle, em dezembro de 2018, Bolsonaro deu uma explicação tortuosa: seria pagamento de um empréstimo dele para Queiroz, um velho amigo. E por que na conta de Michelle? Porque ele, então deputado federal, não tinha tempo para ir ao banco.
Em vez de responder sobre os cheques para Michelle, assunto que inundou as redes sociais, Bolsonaro segue no ataque. Na manhã desta segunda-feira (24), o presidente foi para as redes sociais se dizer perseguido pelo "sistema Globo" e cobrar explicações dos donos do Grupo Globo sobre a delação premiada do doleiro Dario Messer que, sem apresentar provas, teria dito que movimentou dinheiro da família Marinho.
Em 14 de agosto, os irmãos Roberto Irineu e João Roberto Marinho divulgaram nota afirmando que "não têm nem nunca tiveram contas não declaradas às autoridades brasileiras no exterior" e "nunca realizaram operações de câmbio não declaradas às autoridades brasileiras".
Bolsonaro pode ou não acreditar no conteúdo da nota, mas a resposta foi dada. E qual é a resposta para os depósitos na conta de Michelle e para as movimentações de Flávio Bolsonaro, indicativas de lavagem de dinheiro? O silêncio ou a tentativa de intimidação da imprensa.
Nas redes sociais, defensores de Bolsonaro usam acusações contra o ex-presidente Lula e sua família, como se os erros de antecessores dessem ao atual presidente o direito de transgredir sem precisar dar explicações. Outros dizem que o valor de R$ 89 mil é irrisório ou que Bolsonaro não era presidente à época dos depósitos, como se a vitória nas urnas apagassem delinquências do passado.
Tanto os depósitos em cheques na conta de Michelle quanto as estranhas movimentações de Flávio e de sua loja de chocolates não são ilações. Estão nos relatórios de quebras de sigilo bancário e reabrem uma questão nunca esclarecida: o crescimento do patrimônio da família Bolsonaro, as transações imobiliárias atípicas e o pagamento de imóveis com dinheiro vivo, prática incomum quando se trata de valores elevados.