O vídeo em que Damares Alves, dando pulinhos, diz que "uma nova era começou no Brasil: menino veste azul, menina veste rosa" seria apenas uma irrelevância de internet, não fosse ela a nova ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos. De nada servirá um ministério de nome tão comprido se, "na nova era", não houver respeito à mulher e ao direito de ser o que ela quiser. Será um retrocesso se não houver, por parte da ministra e de sua equipe, a aceitação das múltiplas formas de composição das famílias. Será pernicioso se avalizar a interpretação vigente em certos círculos de que direitos humanos é sinônimo de defesa de bandido.
Na vida real, cada família vestirá seus meninos e meninas como bem entender. Até de verde e amarelo, como tantos fizeram na campanha eleitoral e no dia da posse. Ou com todas as cores, como gostam as mães que não têm preconceito contra o arco-íris. Seria interessante que a ministra da Família se preocupasse com as famílias que não têm roupas de cor alguma para vestir seus meninos e meninas, nem como alimentar suas crianças, nem como evitar a concepção, por ignorância ou falta de recursos.
Dona Damares, que comoveu até pessoas que não compactuam com suas ideias quando contou a triste história do abuso que sofreu na infância e de como descobriu Deus numa goiabeira, no momento em que pretendia se suicidar, deveria estar mais preocupada com o combate à pedofilia do que com as roupas das crianças e dos adolescentes. Ela tem todo o direito de ser "terrivelmente cristã", mas na condição de ministra de um Estado laico precisa respeitar quem pensa diferente dela sobre união civil entre homossexuais, popularmente conhecida como "casamento gay", ou sobre adoção de crianças por casais do mesmo sexo, já consagrada pelo Judiciário. Aliás, alguém da comunidade científica poderia informar a quem ainda não entendeu que ninguém é gay por opção. É fato que boa parte dos homossexuais esconde sua condição por medo do preconceito e da violência.
Antes da posse, a ministra já havia dito que meninos devem ser príncipes e meninas, princesas. Com boa vontade, a afirmação foi tomada como uma metáfora da boa educação e do respeito. Depois da menção ao rosa e ao azul como padrão de indumentária, fica a dúvida se a ministra estava mesmo falando de educação ou se é um manifesto contra o feminismo, outra palavra que vem sendo distorcida desde que começou a campanha contra o politicamente correto, como se fosse coisa de comunistas e não uma simples questão de respeito às diferenças.
No discurso que fez para a multidão reunida na Praça dos Três Poderes, no dia da posse, o presidente Jair Bolsonaro deu um alento para os que consideram insuportável não poder fazer piadas com gays, negros, judeus, loiras e portugueses:
— E me coloco diante de toda a nação, neste dia, como o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do gigantismo estatal e do politicamente correto.
No mesmo dia, as redes sociais foram inundadas por mensagens de cidadãos exultantes porque agora poderão chamar "gorda de gorda, negro de negro, homossexual de veado e feminista de mal-amada". Tanta ignorância em relação ao feminismo é ainda mais lamentável quando disseminada por mulheres, porque revela um imenso desconhecimento do que seja a luta por direitos iguais, respeito e independência.