Em Porto Alegre a convite da Federação Israelita do Rio Grande do Sul, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso defendeu nesta segunda-feira (19) um plano a longo prazo para a educação brasileira e atacou o loteamento político do ministério no governo federal. Para o magistrado, a educação no país não é uma prioridade nas gestões.
— Na transição do governo da presidente Dilma Rousseff para o presidente Michel Temer todo mundo estava preocupado em saber quem iria ser o ministro da Fazenda, todo mundo estava preocupado em saber quem iria ser o presidente do Banco Central e quem iria ser o presidente do BNDES. São preocupações legítimas porque a economia é uma parte importante da vida, mas a educação, que todo mundo diz que é prioridade, ninguém discutiu quem são os melhores nomes, quais são os projetos que mais deram certo pelo mundo afora. A educação entrou no racha político geral, ficou com o Dem. Nada contra o partido, menos ainda contra o ministro que lá esteve, mas o que eu estou querendo enfatizar aqui é que a educação é um slogan, é um discurso, não é verdadeiramente uma prioridade. E quem olhar para o Brasil hoje, no debate de hoje, o debate é quem é o ministro da Fazenda, quem é o presidente do Banco Central e quem é o presidente do BNDES — falou o ministro.
Sobre o atual período de transição do governo federal, completou:
— Não tem problema se estiverem amadurecendo para escolher um grande nome, um nome institucional, um nome blindado da política. Educação não pode estar sujeita ao varejo da política, a educação não pode ter o timing da política, não pode ser um projeto para daqui a quatro anos, tem de ser um projeto para daqui a cinco, daqui a dez, daqui a 20, daqui a 50. Um projeto de longo prazo e, aqui, como se faz na economia, quem são os melhores nomes, quais foram os projetos que mais deram certo no mundo.
A uma plateia formada por integrantes da comunidade judaica, Barroso contou sobre sua história familiar e sua criação, baseada em valores do judaísmo. Contou que sua mãe era adepta da religião e que não estudou em colégios católicos de Vassouras, onde nasceu, e do Rio de Janeiro, onde cresceu, por causa dela.
O ministro contou que, embora tenha feito muitos concursos em sua vida, o pior deles foi o processo ao qual foi submetido para entrar no concorrido colégio estadual Pedro Álvares Cabral porque, para ele, "não havia escolha". Os melhores colégios ou eram católicos ou era o militar. O segundo fora descartado devido ao viés "esquerdista" de sua família, conta Barroso, lembrando de sua infância na década de 1960.
Boa parte da fala do magistrado do STF, que durou 48 minutos, foi reservada para discorrer sobre a corrupção e sobre o sistema político do país. Depois de celebrar a estabilidade institucional do Brasil e da legalidade constitucional, Barroso falou sobre a manifestação popular em favor da integridade na classe política. Sem citar nomes, disse que "eles" têm aliados em toda a estrutura social e que transformaram essas relações em um pacto de lealdade:
— Há um processo histórico de evolução ética acontecendo no Brasil. Ele é lento e mais difícil do que parece porque as reações são muito grandes. O pacto oligárquico luta de volta e eles têm aliados em toda a parte, nos altos escalões, na imprensa e onde menos havia de se esperar. Há laços históricos difíceis de se desfazer, há laços de lealdade em um país movido ainda pelo compadrio onde as pessoas se sentem mais obrigadas à autoridade nomeadora do que com o país.
Para o ministro, há três obstáculos para combater a corrupção hoje. Eles envolvem os campos progressista e conservador, além dos corruptos. O primeiro empecilho, segundo Barroso:
— Parte do pensamento progressista no Brasil acha que os fins justificam os meios e que a corrupção nada mais é do que uma nota de pé de página da História. Eles estão errados. A corrupção drena recursos que não vão para melhorar os serviços públicos. Isso cria uma relação pervertida entre a cidadania e o Estado, em que se o Estado não é correto o cidadão não precisa ser também, o que gera um ambiente geral de desconfiança na sociedade porque é legítimo passar os outros para trás nesse ambiente.
O segundo obstáculo:
— Parte do pensamento conservador, parte das elites brasileiras acham que corrupção ruim é a dos outros é a dos adversários. Se for a dos que defendem os meus interesses e se for a dos companheiros de pôquer de salões e vernissages não tem muito problema. E assim perpetuam no poder essas elites extrativistas que se apropriam do estado para si e não para fazer um país melhor.
O terceiro obstáculo:
— São os corruptos propriamente ditos. Tem aqueles que não querem ser punidos, mas esse é um sentimento natural. Um lote pior no Brasil é o dos que não querem ficar honestos nem daqui pra frente e gostariam que tudo permanecesse como sempre foi.
Barroso foi aplaudido de pé em um dos salões da Sociedade Germânia, onde permaneceu por alguns minutos para receber abraços e cumprimentos. Logo depois do evento, o ministro dirigiu-se para o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, onde participaria da conferência "Trinta anos da Constituição: a República que ainda não foi". O ministro seguiria para Brasília logo após o evento.