
O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Convidado da quarta edição do South Summit Brazil, o secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Daniel Almeida Filho, falou sobre inovação tecnológica e construção de pontes. À coluna, ele comentou sobre o tema e os impactos da guerra comercial entre Estados Unidos e China no setor.
Uma das competências da sua pasta é de propor políticas de desenvolvimento tecnológico e de inovação. Como o ministério desenvolve essa atividade?
Acompanhamos diversas políticas públicas referentes a esse desenvolvimento tecnológico e inovação, que são estratégicos para qualquer nação, principalmente para a soberania do país. Temos, dentro da secretaria, não só essa parte de observar, mas de induzir desenvolvimento tecnológico em áreas-chave, por exemplo, tecnologias quânticas, nanotecnologia, fotônica (ciência que estuda a luz e suas aplicações), tecnologias para defesa, espaciais, de água e saneamento. Como há interesse social e ambiental muito maior, elas precisam ser induzidas pelo poder público para que alcancem seu objetivo. Por outro lado, temos também um departamento, que chamo de facilitador de iniciativas de inovação. Cuidamos, nesse departamento, das políticas públicas relacionadas a incubadoras, aceleradoras, parques tecnológicos, Instituições de Ciências e Tecnologias (ICTs) e de formas de financiamento dessas iniciativas de inovação, como a própria Lei do Bem, que hoje é reconhecida como a política pública mais importante para a inovação contínua na indústria no Brasil.
O senhor falou sobre ferramentas de acesso a essas iniciativas, como a Lei do Bem. Mas isso ainda é algo distante para a sociedade. Como aproximar os discursos?
Qualquer tipo de mudança legal demora um tempo para pegar, para haver a mudança cultural que atenda àquela facilitação a que está se propondo. Às vezes, mesmo dentro do próprio poder público, temos dificuldade para que ande e para que seja feito de acordo com as novas regras. Por exemplo, em 2004, instituímos a Lei de Inovação, que, depois que foi reformulada pelo Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, e que faz diversos destraves na política de inovação. Temos uma dificuldade ainda grande de comunicação entre essas instituições, mas muitos destraves já foram feitos. Sim, há problemas culturais e estamos tentando resolver. Temos algumas políticas públicas que facilitam essa integração. Temos há 11 anos uma política pública importante que está sendo estudada no mundo todo, instituída pela Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), que identifica instituições que já fazem interação com a indústria e são cadastradas, e a Embrapii compartilha o risco tecnológico.
O que falta para o Brasil estar entre os gigantes? É inovação? Tecnologia? Investimento?
Para lançar um foguete, você não precisa só acender o pavio. Precisa do combustível, da carcaça para aguentar aquele combustível, de um conjunto de peças, um complexo para poder desenvolver isso. Tem o fator de investimento. Ainda precisamos muito mais. Estamos abaixo do nível de investimento dos países líderes, como Estados Unidos e China. Outra questão é a mudança cultural para que instituições de ciência e tecnologia interajam cada vez mais e atendam às demandas de forma mais contínua do setor produtivo para continuar investindo. Tem a questão das barreiras legais, institucionais, que precisam ser diminuídas. Já diminuiu bastante, mas precisamos melhorar questões regulatórias: o tempo de concessão de uma patente no Brasil, que era de 10 anos, pretende-se reduzi-lo para dois anos até 2026.
Recentemente, houve uma reunião da ministra do MCTI, Luciana Santos, com o titular da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, para estudar parcerias de desenvolvimento e reduzir desigualdades regionais. Avançou?
O ministro (Waldez) está bastante preocupado com a questão de muitas dessas iniciativas de inovação e pesquisa e desenvolvimento estarem concentradas exatamente no eixo Sul-Sudeste e acaba sendo uma questão natural, porque, historicamente, temos um desenvolvimento industrial muito mais forte nessas regiões. O Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste ficaram um pouco desassistidos nessa questão, e são algumas regiões que o ministro pediu uma certa atenção para que olhemos com mais carinho. E de fato, por exemplo, a Lei do Bem, tem uma hiper concentração regional, 90% do investimento dos R$ 10 bilhões são para as regiões Sul e Sudeste. Temos uma grande área que tem muito pouco investimento.
A guerra comercial entre China e os Estados Unidos pode impactar o desenvolvimento tecnológico no Brasil?
Do ponto de vista de impactar o desenvolvimento tecnológico, acho que assim. De certa forma é uma reorganização das correlações mundiais. Do ponto de vista geopolítico, é algo a se preocupar. Temos sempre de estar atentos às questões geopolíticas para entendermos como melhor agir nesses casos. Temos de procurar nesse momento, já que estamos historicamente em uma situação de desvantagem do ponto de vista de desenvolvimento tecnológico, olhar para isso como uma oportunidade para dar novos saltos. É como se estivéssemos esquentando a massinha de modelar, deixando-a mais molinha de novo e, quando ela se reestruturar de novo, estar em um patamar maior. O importante desse movimento é olhar para isso como uma oportunidade para estabelecer o Brasil de novo ao lugar que nunca devia ter saído.