
Eram por volta das 18h30min, quando entrei na Casa de Santa Marta, o local escolhido pelo papa Francisco para morar, onde ele morreu, e residência de passagem dos cardeais durante o conclave que elegerá o sucessor do trono de São Pedro. As votações ocorrem na Capela Sistina, mas é na Casa Santa Maria que eles dormem, fazem as refeições e convivem no dia a dia do conclave, atrás dos muros do Vaticano, sem contato com o mundo exterior até que a fumaça branca anuncie que os católicos já têm um novo papa.
De antemão, é possível perceber que o prédio cinza claro é bem diferente do tom sombrio apresentado no filme Conclave, que ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado. Aliás, é motivo de piada entre os frequentadores uma das cenas do filme, em que um cardeal entra no elevador e pede ao ascensorista o oitavo andar. A Casa de Santa Marta da vida real tem apenas cinco andar, e os elevadores não contam com ascensorista.
Veja o vídeo:
Feito esse esclarecimento, vamos ao que eu vi: chama atenção que os aposentos de Francisco ficam bem em frente à entrada, no segundo andar. As quatro janelas estão fechadas: as duas centrais, onde na fachada a bandeira do Vaticano à meio-mastro, era uma sala para reuniões. Foi ali que o Papa recebeu o rei Charles do Reino Unido depois que saiu da clínica Gemelli. À direita fica um escritório e, à esquerda, o quarto onde Francisco morreu. Todo o local foi lacrado pelo camerlengo após o falecimento, seguindo a tradição.
Entra-se na Santa Marta por uma porta automática de vidro, onde um segurança em trajes civis cumprimenta, de forma respeitosa e tom baixo, quem passa. No hall, à direita, há o busto do papa João Paulo II, em cujo pontificado a residência foi construída. À frente, uma estátua pequena de dois órfãos, presente dado por uma comunidade católica armênia. Pode-se descer para o saguão central por escadas em ambos os lados. Ali há uma pequena recepção.
Há poucas pessoas na casa, porque, no horário em que visitei, a maioria estava envolvida com a cerimônia de fechamento do caixão de Francisco, ali ao lado, na Basílica de São Pedro.
No saguão, à direita, fica o refeitório. Aqui, mais uma diferença em relação ao filme: as mesas são redondas ou retangulares em um ambiente agradável e acolhedor — nada como aquelas longas mesas mostradas no filme, que mais parecem de presídios ou reformatórios. Todas estão cobertas com toalha branca impecavelmente limpas, pratos e talheres postos para refeição. Há uma garrafa de vinho em cada uma delas. A mesa que era utilizada por Francisco fica bem na entrada e, ontem, estava sem pratos, talheres ou a garrafa de vinho. Estava até sem cadeiras em volta. Desde que Francisco morreu, os moradores falam em um tom mais baixo do que o habitual durante as refeições.
A todo momento, cruzo por bispos e cardeais: o arcebispo de Quebec (Canadá), de Argel (Argélia) e o núncio apostólico da Síria, cardeal italiano Mário Zenari.
É ao fundo do prédio, quase colado nos muros do Vaticano, que está a capela. Foi dali que o cardeal Kevin Farrell, o camerlengo, anunciou ao mundo, na segunda-feira (21), que o Papa “voltou para a Casa do Pai”. Também foi ali que o corpo de Francisco foi exposto pela primeira vez — até ser trasladado, na terça-feira (22), para a Basílica de São Pedro.
Em um primeiro momento, apenas os moradores da Santa Marta puderam ir até ali, em um funeral privado, para se despedir. Antes de ir embora, fico sabendo de duas curiosidades: Francisco foi o primeiro papa a morar na casa e muitos dizem que ele abrira mão do Palácio Apostólico para dar exemplo de simplicidade. Na verdade, não é só por isso. O Papa não queria ficar só, gostava do convívio da Casa. A outra curiosidade é que, como nos próximos dias os cardeais se mudarão para lá, os moradores, a maioria funcionários do Vaticano que vivem ali, terão de achar outro lugar para ficar até que a fumaça branca saia da chaminé da Capela Sistina.