
Os documentos sigilosos do governo dos Estados Unidos que mostram como China e Cuba ofereceram voluntários e apoio material para o então governador Leonel Brizola, na Campanha da Legalidade, contribuem para compor um quebra-cabeças: o envolvimento de potências globais, em polos opostos da Guerra Fria, com os fatos políticos do Brasil em geral e do Rio Grande do Sul em particular nos anos 1960.
A América Latina foi palco principal da disputa geopolítica entre os blocos capitalista e comunista — e o Brasil, maior e mais populoso país da região, era alvo da ganância de Estados Unidos, de um lado, e de URSS (apoiada pela China até o rompimento sino-soviético ao longo dos anos 1960).
A divulgação nesta semana dos cerca de 2 mil arquivos não chega a surpreender. Em 2017, eu e o repórter Carlos Rollsing publicamos em GZH uma ampla reportagem que mostrou como a CIA espionou desde Brizola até os escritores também gaúchos Erico Verissimo e Josué Guimarães. Nem uma fábrica de tecidos localizada na Avenida Voluntários da Pátria, em Porto Alegre, suspeita de fomentar atividades comunistas, escapou da vigilância americana. Citado centenas de vezes nos papéis, Brizola era classificado como "ultranacionalista", "extremista de esquerda" e "cunhado de Goulart", em referência ao então presidente João Goulart. Os EUA temiam a eventual ascensão política do gaúcho, sua influência sobre o governo Goulart até a chance de ser eleito presidente, anos depois, em 1989.
Os documentos agora divulgados mostram que Brizola teria recebido a oferta de apoio de Cuba e China, mas teria rejeitado a oferta, temendo melindrar as relações de Brasília com Washington. Mais: se o governador gaúcho tivesse aceitado o apoio poderia ter servido de argumento para os EUA intervirem no Brasil — como, aliás, foi cogitado. O golpe, com apoio americano, foi consolidado em 1964.
Chama a atenção na nova leva de documentos como, mesmo em tempos sem internet, as informações corriam rapidamente. Jânio Quadros renunciou em 25 de agosto de 1961. Brizola liderou a Campanha da Legalidade entre aquele dia e 7 de setembro. O arquivo da CIA agora divulgado foi produzido no Rio de Janeiro em 2 de setembro e despachado para Washington no dia 3. As informações, conforme o documento que tem como subtítulo "Oferta de suprimento e homens ao governador do Rio Grande do Sul pelos governos comunistas de China e Cuba, se refere à semana do dia 27 de agosto, no auge de um dos momentos mais tensos da história gaúcha e brasileira.