Durante mais de uma semana, autoridades do governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, entre eles o governador Eduardo Leite e o prefeito Sebastião Mello, estiveram na Holanda. O grupo foi conhecer como os holandeses lidam com o desafio das águas.
O Conversas Cruzadas de quinta-feira (6) recebeu representantes da comitiva para saber, principalmente, o que mais chamou a atenção do grupo e os seus principais aprendizados.
A conversa reuniu a secretária do Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado, Marjorie Kauffmann, o secretário da Reconstrução Gaúcha, Pedro Capeluppi, o secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre, Germano Bremm, e o diretor-geral do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), Bruno Vanuzzi.
A coluna reuniu abaixo a resposta para a pergunta: o que mais chamou a atenção?
Secretário da Reconstrução Gaúcha, Pedro Capeluppi:

— Sem dúvida nenhuma é a relação entre os holandeses, a água e a preocupação de construir soluções junto com a natureza. Em todos os lugares que nós fomos, percebemos tudo que feito vem sendo construído e aperfeiçoado há mil anos. Fazer isso e obter sucesso nesse tipo de estratégia requer muita cooperação entre todos: sociedade, órgãos públicos, universidades e empresas. O que notamos foi a existência desse trabalho conjunto de pensar e executar as políticas que precisam ser feitas para entregar aquilo que a sociedade precisa. Evidente que os projetos de engenharia chamam muito a atenção porque são obras gigantescas, mas, para mim, o que mais podemos usar aqui é essa necessidade de trabalhar em conjunto, de buscar e planejar soluções que têm de ser implementadas até o seu final. O sucesso que os holandeses obtiveram vem muito dessa capacidade de trabalhar em conjunto para que o próprio território possa trabalhar a favor deles. A Holanda depende desses projetos que precisam também de muita manutenção ao longo do tempo e que eles aprenderam a fazer de maneira bastante eficiente sem colocar a vida da população em risco.
Secretária do Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado, Marjorie Kauffmann

— Uma coisa que me chamou muita atenção foi a priorização das ações e dos desenhos que eles têm. A prioridade número um é a questão da segurança hídrica, porque é adaptativa para a existência dos Países Baixos. Nós nunca tivemos um olhar para a segurança hídrica que perpassasse algumas ideologias, teorias e que hoje em dia precisam ser revisitadas. Acho que nessa ordem de priorização: segurança hídrica, segurança alimentar e, principalmente, a cooperação, a união. Um país inteiro pensa soluções que são soluções úteis e necessárias para todos. Nós visitamos as obras já feitas, mas nós também tivemos conhecimento de um momento em que a comunidade toda, as universidades, os institutos, entregaram projetos para o futuro. O que os especialistas entendem que deva ser feito para que, em 2100, os Países Baixos estejam tranquilos. Precisamos desse amadurecimento. Acho que essa cheia já fez uma virada de chave muito importante. E eu sempre repito isso: fico muito feliz por ter visto nas eleições municipais, nos projetos de governo, sempre a questão enchente, drenagem urbana, adaptação, planos de contingência. Essas palavras não eram comuns em planos de governo municipais e nem estaduais. Mas isso já demonstra que nós estamos virando uma página muito importante. Agora, precisamos avançar com maturidade no olhar ao arcabouço que nós temos.
Secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre, Germano Bremm

— Eles são muito evoluídos na pauta climática. Eu sempre comento isso, acho que o ser humano evolui no amor ou na dor. A Holanda evoluiu também muito na dor. Em inúmeras oportunidades, eles tiveram tragédias. E há uma necessidade de sobrevivência do país como um todo, não isoladamente a cidade, mas ou eles saem necessariamente do país ou eles aprendem a conviver com esses eventos climáticos. E, naturalmente, a ameaça climática deles mais forte é as enchentes, o nível do mar. Então, eles são muito preparados em um universo de integração. O prefeito comenta muito isso entre universidade, a academia em si, o setor empresarial, os governos, no sentido de cada um dentro da sua área expertise e produzir as respostas e, efetivamente, fazer transformação. E eles vivem muito focados na questão da gestão das águas. E tem excelentes estruturas lideradas muito sob o comando do governo federal, eles têm essa liderança, o próprio órgão gestor das águas responde diretamente ao parlamento. Então, trazer essa pauta, e é o que estamos tentando agora com a revisão do plano diretor em curso, implementar no processo de crescimento da cidade a adaptação dos municípios, da cidade como um todo a essas mudanças climáticas, reduzir emissões e zerar elas para tentarmos estancar um pouco desses efeitos e, ao mesmo tempo, preparar a cidade. Mas muito mais voltado, porque acho que esse é um ponto, sairmos um pouco das ideologias, que eu vejo que, como não tem isso lá, a academia, o setor empresarial, todo mundo trabalhando no mesmo sentido. Acho que isso é um aprendizado que temos de trazer deles, essa realmente integração e saber usar a potencialidade de cada um dos atores desse processo para produzir um efeito, um resultado na vida, no crescimento da cidade e, consequentemente, no clima.
Diretor-geral do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), Bruno Vanuzzi

— Temos lá um pragmatismo a respeito de como enfrentar os desafios. Então, aquela quádrupla hélice que tanto se fala — governo, sociedade, academia, empresas — lá realmente funciona de uma forma coordenada. Nós estivemos em universidades, em consultorias, visitando empresas, visitando o governo, parcelas da sociedade civil organizada, vendo que todos trabalham em um consenso harmônico em relação aos problemas que devem ser enfrentados. Existe muito menos discussão a respeito de devemos ou não devemos fazer algumas intervenções que podem eventualmente ter impactos ambientais, porque é uma questão existencial. Ou seja, lá a noção de que a mudança climática é um risco para a sociedade, é muito mais presente, mais visível, mais palpável, o que gera uma responsabilidade maior de todos os atores. Existe um alinhamento de que todos os atores envolvidos nos problemas ambientais, que têm uma consciência já inserida dentro de si, já entendem que as soluções precisam acontecer. Tudo é realizado pensando em como que nós vamos sobreviver ao meio nos quais nos estamos inseridos. Isso é uma coisa que aqui no Brasil falta ainda muito amadurecimento. Falta compreendermos que o meio ambiente, ele é, digamos, o nosso sustentáculo, a nossa fonte de sobrevivência, mas ele também não pode ser um inimigo do cidadão, da sociedade, das infraestruturas críticas. Fiquei muito impressionado com a capacidade de experimentação, de como eles investem em pesquisa e como ela é aplicada. Nós temos que começar a pensar um pouco como os holandeses, que eles pensam para daqui a 100 anos. Para eles, a questão climática é um fato posto, nós estamos num processo de mudança climática. Eles já estão fazendo planejamento de coisas que podem ocorrer em 2080, em 2090, mas que podem acontecer antes também. Então, existem algumas soluções que não podemos adiar.