
O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Há especialistas que atualmente consideram os minerais críticos como "a galinha dos ovos de ouro" de grandes líderes mundiais.
Utilizados na defesa, na geração de suprimentos e como insumos, por exemplo, para carros elétricos, os minérios estão, principalmente, no radar do presidente americano Donald Trump, que inclusive na sua proposta para encerrar a guerra na Ucrânia quer o acesso subsolo ucraniano.
Atualmente, o Brasil conta com 14 minerais críticos, cerca de 10% das reservas do mundo.
A coluna conversou com o diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Raul Jungmann, sobre o assunto. Veja os principais pontos:
Atualmente, quais os minerais críticos que estão no radar do presidente Donald Trump?
Os minerais críticos que estão no radar do presidente Trump já estavam no radar dos Estados Unidos anteriormente. Não há uma mudança, por assim dizer. É o caso das terras raras, do lítio, do níquel, do cobalto. Trata-se de um conjunto de aproximadamente 15 minerais que não existem no subsolo dos Estados Unidos. Uns são mais críticos do que os outros. Os que citei aqui, considero os principais sob o ponto de vista dos americanos. E isso tem os levado a adotar posições extremas. Porque não apenas nos Estados Unidos, mas também na Europa, a questão da segurança, do suprimento dos chamados minerais críticos, passou a ser uma questão de soberania nacional. E, portanto, a questão dos minerais passou a ser um assunto da geopolítica, da geopolítica global, hoje. Por quê? Porque os minerais críticos, como o próprio nome diz, eles são fundamentais para a segurança alimentar, para a inovação tecnológica, para a defesa nacional e, particularmente, para a transição para uma economia de baixo carbono. Não há possibilidade da humanidade superar a emergência climática sem a contribuição dos minerais críticos. O governo Trump, em passagem, como também o governo Joe Biden, que já tinha essa preocupação, inclusive negociando com o Brasil, e o Itamaraty muda o nome do problema. Para o governo Biden, os minerais críticos eram essenciais para a transição para a economia de baixo carbono. Como o Trump não direciona prioridade para isso, então os minerais continuam sendo necessários, só que para a defesa nacional e a inovação e a tecnologia.
Quais são os principais minerais críticos encontrados no Brasil?
Tão importante quanto ter essa disponibilidade no nosso subsolo, é que esses minerais em estado bruto sejam processados, industrializados, que sofram modificações para agregar valor
É um número relativamente grande. São 14, pelo menos, minerais críticos que o Brasil tem afloramento, ou seja, tem províncias minerais. Dentre outros, está o nióbio. Temos praticamente 100% das reservas globais de nióbio. Em termos de terras rasas, somos os terceiros. Nós somos também os terceiros em termos de grafita, temos reservas muito importantes de níquel. Temos boas reservas de cobre e de cobalto, com enorme condição de ser um fornecedor para o mundo. Porém, tão importante quanto ter essa disponibilidade no nosso subsolo, é que esses minerais em estado bruto sejam processados, industrializados, que sofram modificações para agregar valor, e a gente não fique meramente na condição do passado de colônia, de ser um exportador de commodities. Precisamos industrializar as nossas reservas.
Dos minerais críticos explorados no Brasil, a maioria fica no país ou é exportada?
Temos, segundo alguns cálculos, 10% das reservas de minerais críticos do mundo. Então, o nosso potencial é muito grande. Exportamos pouco. Se considerarmos o volume de reserva, nossa exportação fica ao redor de R$ 5 bilhões ou R$ 6 bilhões. Quanto às exportações totais de mineiras do Brasil, pelo menos de 2024 até novembro, somamos R$ 43 bilhões. É um percentual ainda pequeno em termos comparativos a nossas possibilidades. Portanto, em termos realmente relativos de exportação, nós temos muito a crescer.
O que falta para alavancar, e o Brasil se tornar uma potência da exploração desses minerais críticos?
Temos pelo menos quatro obstáculos a serem superados: a primeira delas é o licenciamento ambiental. Isso é crucial para a exploração de minerais. Porque o mineral, pela Constituição Brasileira, é da União, pertence ao povo brasileiro. Portanto, é exatamente uma atividade realizada pelo Estado. Isso significa que, para você fazer uma pesquisa, abrir uma lavra, precisa de autorização do Estado. Embora você possa ser o superficiário, ou seja, o dono da terra, o subsolo não lhe pertence. Você tem a questão do licenciamento, tanto no sentido da autorização pela (ANM) quanto o licenciamento por parte do Ibama,. E esses licenciamentos podem demorar cinco, seis ou sete anos. Isso destrói o capital. E aí, o que acontece? Capitais que poderiam migrar para cá, ou mesmo capitais nacionais poderiam investir nessa ativação no tempo de espera. O segundo aspecto a ser superado é a questão do financiamento do crédito. Uma atividade mineradora de nível industrial, portanto uma grande atividade mineradora, ela exige infraestrutura. Muitas vezes envolvendo a questão de construção de portos, de dutos, de ferrovias, e assim por diante. Então, é uma atividade de longo termo e que precisa de financiamento. E aqui no Brasil, esse financiamento, a nível, por exemplo, do setor financeiro privado, ele inexiste. Por conta dos juros, por conta de diversas outras coisas. Não há apetite agora que começa a despertar. O apetite dos bancos é isso. Há uma boa novidade, que é um fundo de participação que foi integralizado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), pela Vale e pela FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), de R$ 5 bilhões. Isso é ótimo? É muito bom. Mas é muito pouco, muito pouco para as demandas. Para ter uma ideia, o maior projeto na Bahia tem um valor de R$ 32 bilhões. Esse é um projeto industrial, é o chamado da Bamin, e é evidente que é um grande projeto. Tive um encontro com a diretoria e o presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e lá eles nos mostraram que o setor financeiro privado, o mercado, tem investido no setor privado do Brasil R$ 2,1 trilhões, dos quais apenas R$ 19 bilhões, ou seja, 0,9% investidos em mineração. Considerando o fato de que a mineração é uma das principais atividades, considerando que o Brasil é o quinto maior player global mineral do mundo, considerando que a mineração é 4% do PIB brasileiro, e isso é irrisório, o que demonstra, evidentemente, as dificuldades ou falta de apetite que existe entre o nosso setor financeiro e o setor mineral. Um outro exemplo disso é que na B3, na Bolsa de Valores aqui do Brasil, nós temos apenas quatro operadoras. E na Bolsa de Valores de Toronto, no Canadá, nós temos 42. Ou seja, aqui é menos de 10% daquilo que está participando da Bolsa no exterior, em Toronto. Então essa é uma grande dificuldade da questão do financiamento. Um terceiro aspecto, também muito importante, é a questão do mapeamento do território nacional. O sistema geológico brasileiro, apesar de seus esforços ao longo de 50 anos de existência, conseguiu mapear algo como 27% do território nacional, o que é pouco. O Brasil não sabe o que é que o subsolo do Brasil contém, por assim dizer, em grande parte. E por último, a questão da falta ou da ausência de uma política nacional para minerais críticos. Nós fizemos o melhor estudo para, exatamente, servir de fundamento para uma política nacional. Além disso, juntamente com a Frente Parlamentar da Mineração Sustentável, nós apoiamos o lançamento de um Projeto de Lei que se encontra tramitando no Congresso Nacional para uma política nacional de minerais críticos. Então é um esforço que nós estamos fazendo.
Como está a situação do lítio no Brasil?
A situação hoje do lítio é boa. Se eu não me engano, nós hoje somos o quinto maior exportador mundial em termos de lítio. Ele vem se desenvolvendo muito no Vale do Jequitinhonha, antes conhecido como Vale da Pobreza. Está sendo conhecido agora como o Vale do Lítio. E empresas, tanto australianas quanto chinesas, têm comprado direitos de lavra naquela região. Isso significa uma boa impulsão para o desenvolvimento de lítio. Se tudo confirmar o que é previsto, por exemplo, a Agência Internacional de Energia, da ONU, ela prevê que o mercado para minerais críticos que foi de US $ 320 bilhões em 2023, será de US $ 1,1 trilhão em 2030. O que representa um enorme crescimento do mercado. E minerais como o lítio podem crescer, em 2040, 2050, quatro vezes em termos globais ou seis vezes em termos globais. A demanda por minerais de lítio.
Já é tratado há algumas COPs e o próprio presidente Lula tem falado muito sobre a transição de baixo carbono. No RS, há o caso de Candiota, onde uma usina termoelétrica foi fechada, e muitas pessoas dependiam dela para trabalhar. Como fazer uma transição de baixo carbono sem que afete a população?
Depende de como você conduz e calibra essa transição. No Brasil, o Ministério da Fazenda propôs e está desenvolvendo o plano de transição ecológica. E o vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, também propôs especificamente a nova indústria brasileira focada nessa transição. Você não pode simplesmente mudar tudo. tem de mudar, você deve mudar. Mas, evidentemente, você tem de, ao mesmo tempo, ter a capacidade de calibrar os mecanismos para fazer com que essa transição seja regulada e ela tenha, portanto, condicionantes nas políticas a serem desenvolvidas. E não simplesmente você adotar uma postura, por exemplo, de absoluta ruptura nesse processo de passagem, que não vai ser legal.
Os EUA estão muito interessados nos mineiras críticos, haja vista os conflitos no Leste Europeu. Como que o senhor avalia a influência desses minerais na geopolítica?
A base disso tudo é ruim. Estamos assistindo a um quase colapso, se é que já não colapsou a questão da governança global, cujo principal órgão é exatamente a ONU. Nem a ONU nem o Conselho de Segurança tem tido uma participação necessária e participação eficiente nos conflitos que estão pipocando o mundo afora. Além desse colapso em nível global, que gera uma desordem, o sistema internacional se ensombra de dúvida. Ele tem que andar, por assim dizer, já que nunca se encontrou uma maneira de fazer a coordenação, como era o sonho na criação da Organização das Nações Unidas. Mas a verdade é que isso piorou muito. E o próprio Conselho da ONU não tem tido a eficácia do passados. De outro lado, você está vendo a erupção de conflitos, como, por exemplo, a Rússia versus Ucrânia, Israel versus Hamas, Palestinos, como você vê com o houthis, e assim por diante. Isso tudo tem levado a uma polarização, a grande disputa entre China e Estados Unidos. Tudo isso tem levado as nações, com ênfase, inclusive, na União Europeia, mas também nos Estados Unidos, a uma busca por segurança em termos de suprimento. E isso é agudamente buscado no caso dos minerais críticos. É por isso que, de repente, aconteceram dois movimentos. O primeiro deles é que essa desordem tem levado à questão mineral. E, sobretudo, os minerais críticos sobem na agenda de segurança nacional das nações. Então, nós passamos a fazer parte do topo das preocupações geopolíticas Por quê? Repetindo, há uma enorme demanda e uma enorme preocupação dos países com sua cadeia de suprimento, em termos gerais, mas, particularmente, em termos de minerais críticos. De novo, por que minerais críticos subiram na agenda e, praticamente, passaram a ser centrais na geopolítica global? Porque os minerais críticos dependem, como a gente já disse, da questão da segurança alimentar, porque potássio, por exemplo, e fosfato, que são essenciais para a agricultura brasileira, que alimenta em torno de 1 bilhão de pessoas no mundo, importamos (90% do potássio, 78% do fosfato). Isso, no caso do Brasil, mas isso você tem que olhar também para o restante do mundo. De outra parte, é fundamental para a tecnologia e a inovação. Um celular, ele tem 14 minerais. Então, ele é fundamental para substâncias, ligas, para usos, em termos eletrônicos, em termos digitais, ele é simplesmente decisivo de minerais críticos. Em terceiro lugar, você tem a necessidade dos minerais críticos para o desenvolvimento da indústria de defesa internacional. Para aviões supersônicos, para a produção de equipamentos, seja de bordo, de computadores, ou de ligas resistentes, eles são fundamentais. Por fim, o maior desafio que a humanidade enfrenta hoje é a transição para a economia de baixo carbono. Isso ameaça, se não conseguirmos superar essa emergência, toda a humanidade. Ela é fortemente dependente. Não há transição para a economia de baixo carbono sem minerais críticos. Por quê? Porque os minerais críticos estão nas baterias dos automóveis, estão nos aéreo-geradores, que carregam a energia eólica, estão nas placas voltaicas e em inúmeras outras aplicações, acumuladores e tudo mais. Por isso, da junção dessas questões, minerais críticos acenderam para o topo da preocupação geopolítica dos países.
As ações de Donald Trump afetam o Brasil? O governo deve se preocupar?
Acho que já afeta, em razao dessa guerra tarifária. É a guerra do perdedor e do perdido. Vejamos a um exemplo muito claro. Hoje, por exemplo, a produção de um celular, um chip, um automóvel, ele não é feito exclusivamente em nenhum país. Ele é fruto, às vezes, de dezenas de países que contribuem com partes, com componentes desses bens. Então, você fazer uma guerra tarifária significa você levar a inflação, não só para os Estados Unidos, como é o caso, mas também para o mundo afora. Você pode ter, inclusive, uma redução em termos do crescimento da economia global, que, obviamente, afeta o Brasil. O Brasil já está sendo afetado pelas tarifas para aço e para alumínio. E, por que, não é um impacto tão grande, significativo? Porque 80% das exportações minerais brasileiras são para a Ásia, que quer dizer, no caso do alumínio, a base é bauxita, mas não é só isso, o alumínio, claro, como também no caso do aço. Afeta, mas afeta marginalmente, no caso da mineração até aqui. Mas não sabemos se essa política errática de confronto de força do presidente Trump e onde ela vai parar, não sabemos. Mas os efeitos a essa altura são globais. Claro que afeta mais o México, Canadá, por exemplo, do que a nós, mas, evidentemente, também afeta, nós fazemos parte do mundo, fazemos parte do comércio global.
E seriam possíveis parcerias?
Já no governo Biden, os Estados Unidos procuravam acordos e parcerias aqui, com o Brasil. O governo Trump também emite sinais de que quer essa parceria. E é preciso, porque, veja, 15 minerais que os Estados Unidos necessitam para suas diversas atividades, o Brasil tem. Então, obviamente, que o Brasil, além de ser um país que tem recursos, dispõe de segurança jurídica, que tem, enfim, uma boa relação diplomática, mas não temos um confronto, um conflito, com os Estados Unidos. Somos potencialmente um país parceiro, por assim dizer, dos Estados Unidos para atender necessidades deles. O que eu espero, vou dizer mais uma vez, é que a gente não fique só na exportação, por exemplo, de minerais críticos, mas que a gente consiga produzir células de batéria, que façamos células em termos de acumuladores, enfim, que processemos esses minerais para agregar valor e, obviamente, também agregar tecnologia a nossa produção minerais brutos.
Qual o foco do Brasil daqui para frente nos assuntos dos minerais críticos?
precisa de rumo. Ter rumo, ter uma política nacional. Quando fizemos aquele estudo, junto com o CETEM (Centro de Tecnologia Mineral), observamos que 16 países têm políticas nacionais relacionadas, inclusive a soberania, para minerais críticos. O Brasil não tem. Então, eu diria que o item número 1 de que precisamos atender, sem desenhar dos demais, é um rumo com a política nacional de minerais críticos.