
Diante do atual estado das coisas, em que palavras como democracia, Estado democrático de direito e Justiça são relativizados, é a ação conjunta de uma sociedade garante que conceitos como esses não sejam deturpados.
Por ironia do calendário, a mais grave agressão contra a democracia brasileira, os ataques de 8 de janeiro de 2023, começará a ser julgada no mês em que celebramos os 40 anos da redemocratização. Dez dias atrás, em 15 de março, o Brasil lembrou a data em que o último general deixou o Palácio do Planalto pela porta dos fundos, encerrando duas décadas de arbítrio autoritário.
Tendo em vista o perfil dos integrantes da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), muito provavelmente a denúncia encaminhada pela Procuradora Geral da República (PGR) contra Jair Bolsonaro e mais sete pessoas será aceita no julgamento que começa nesta terça-feira (25) e que deve se encerrar no dia seguinte. Eles avaliarão questões processuais e se há indícios de autoria e materialidade na tentativa de golpe de Estado e outros crimes de um ex-presidente, um ex-vice, um ex-comandante da Marinha, três ex-ministros, um deputado federal, e um ex-ajudante de ordens do comandante-em-chefe da nação.
A se confirmar a hipótese de que a denúncia será aceita, o Brasil entrará em uma fase que testará, com afinco, a resiliência e maturidade de nossa democracia.
O Judiciário, como se sabe, não está isento de questionamentos. Há concentração de poder, personalismos, verborragia e decisões recentes, como as relacionadas a Lava-jato, que alimentam o sentimento de desconfiança. Como qualquer poder da República - e, aliás, como em qualquer democracia -, há fragilidades. Mas é a essa instituição que cabe, pelo poder outorgado pela Constituição, julgar os desafios da atualidade.
Pelo peso político desse processo, por seu impacto nacional e internacional e, principalmente, por indicar caminhos para o futuro da nação, desejamos que esse julgamento ocorra dentro dos limites da Carta Magna, com a garantia de prerrogativas como o direito à ampla defesa e ao contraditório, e que não deixe abertos flancos para suspeição. Sobretudo para que nesse atual ambiente de pós-verdade, dentre todos os conceitos relativizados, ao menos, o de Justiça, seja preservado. É dele que dependem todos demais.