
A História é pródiga em exemplos do que ocorre com um país formado por uma colcha de retalhos étnico-religiosa quando ditaduras sanguinárias que mantiveram a unidade à fórceps se desfazem.
Na antiga Iugoslávia de Josip Tito, tensões étnicas e políticas reprimidas pelo arbítrio vieram à tona, na década de 1990, levando a guerras, massacres e desintegração do país.
No Iraque de Saddam Hussein, a invasão americana em 2003 e a imposição no poder de um governo pró-Ocidental fizeram aflorar ressentimentos internos e uma guerra civil que durou décadas.
Os ventos da chamada "Primavera Árabe" converteram a Líbia de Muammar Gaddafi em um Estado pária de nacos de terra controlados por senhores da guerra locais.
O mundo corre nas últimas horas para evitar que a roda da História volte a girar, nessa direção, também na Síria, que, depois de anos de conflito civil, é palco da ascensão e tentativa de consolidação no poder de um grupo terrorista ligado à Al-Qaeda transformado em governo desde dezembro.
Como a vingança é prima-irmã do ocaso de regimes autoritários responsáveis por matanças e torturas, era bem previsível que, cedo ou tarde, a panela de pressão explodisse. Desde quinta-feira, grupos armados alauítas, grupo religioso que forma uma ramificação do islamismo xiita do qual Bashar al-Assad é oriundo, começou a atacar membros do atual governo.
A resposta veio nos dias seguintes, com as forças armadas sírias - integrada hoje pelos "ex-terroristas" - contra-atacando. A costa da Síria, em especial cidades como Jableh, Latakia e Tartus, redutos alauitas, virou campo de batalha. Mais de mil pessoas morreram em quatro dias.
O novo presidente, Ahmed al-Sharaa (que em seus tempos de terrorista usava o nome de Abu Mohammad al-Julani), afirmou que é preciso buscar a paz e a unidade e que é possível diferentes religiões e etnias conviverem. Parece um discurso para inglês (ou americano) ver. Palavras bonitas, normalmente, não são suficientes para conter o ódio e os ressentimentos de décadas.