O empresário gaúcho Erasmo Battistella, presidente da Be8, conversou com a coluna na semana passada sobre a sua participação no Fórum Econômico Mundial, o encontro de Davos, na Suíça. Durante a entrevista, ele abordou as perspectivas sobre transição energética no momento em que o novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, reitera a agenda de ampliação das exportações de combustíveis fósseis. Um dos principais nomes do setor de biocombustíveis, Battistella também falou sobre suas perspectivas para a COP30, que será realizada em Belém (PA), em novembro.
A seguir, os principais trechos da conversa.
O que lhe marcou no encontro de Davos, que, neste ano, coincidiu com a posse de Trump nos EUA?
Sem sombra de dúvidas, a aposta do presidente Trump nos EUA foi extremamente debatida em todos os fóruns dos quais participei. Há opiniões diversas sobre o retorno e a forma como retorna, mas os temas aqui também são tratados de forma global. Os EUA são a maior potência econômica e militar do mundo, mas aqui estão representados praticamente todos os países. Então, as pautas passam pelos americanos, mas também por outros países: temas sensíveis na Europa, na América do Sul, no Brasil, na China, no Japão. Foi uma semana de bons contatos e muito aprendizado.
Houve avanços no Brasil com a ascensão do marco legal das offshores, um passo a mais no desenvolvimento da energia eólica no universo de energia sustentável. Mas, ao mesmo tempo, com a posse do Trump, houve um discurso que contesta esse desenvolvimento. Qual a sua avaliação?
Um dos temas mais tratados aqui é o da transição energética, dada como uma continuidade. Estive em um jantar com empresários de todo o mundo e ouvi uma definição de um economista americano conservador. Perguntado se a transição energética parou (com o governo Trump), ele respondeu: "A transição energética é como um trem gigante que saiu da estação e está andando. Ora ele vai andar mais rápido, ora, perder um pouco a velocidade". Isso vem se confirmando aqui nos debates. Participei de um outro painel com o secretário executivo da Europa para transporte, e ele reafirmou o compromisso de continuidade da transição energética, de continuidade aos investimentos. Em relação ao Brasil, tivemos aqui um debate muito importante no qual a Be8 apresentou um estudo sobre o quanto o biodiesel agrega ao PIB. Tivemos a presença do ministro (de Minas e Energia do Brasil) Alexandre Silveira, reforçando o trabalho que o Brasil vem fazendo, o posicionamento e o compromisso do governo brasileiro de avançar na transição energética. Então, acho que essa definição do economista é a mais correta: um grande trem saiu da estação e está andando. Há horas em que algum país vai andar com mais velocidade, e outro, com menos.
E esse trem não volta para a estação?
É uma afirmação difícil de se fazer. Em 2025 o Fórum completou 50 anos. Pela primeira vez na história, o Brasil teve uma casa aqui, a Casa Brasil. E esse espaço que nós tivemos aqui é da iniciativa privada. Estão aqui, por exemplo, o Banco BTG, a Gerdau, a Be8, Randon, Vale, Ambipar e JHSF. Percebi o trabalho que cada uma dessas empresas está fazendo para reduzir a sua pegada de carbono. Não ouvi de nenhum presidente que ela vai diminuir porque Trump assumiu o governo. Nós mesmos anunciamos várias parcerias aqui. Por exemplo, anunciamos uma parceria com a Randon para o uso do Be8 Bevant nos testes dos caminhões. Nós anunciamos uma parceria com o aeroporto de Congonhas para o uso do Be8 Bevant, que é o biocombustível nosso, patenteado pela Be8, nas operações terrestres. Ou seja, continua. Sem sombra de dúvida, os Estados Unidos são importantes, mas precisamos ter essa cabeça aberta e entender que as coisas continuam e que as políticas públicas que foram construídas são de longo prazo, quando se fala, principalmente, de energia. O setor de biodiesel, biocombustível, etanol, continuou avançando. Preciamos acalmar um pouco e entender que a gente precisa continuar trabalhando com pautas globais. Vários líderes globais, ministros de energia de diferentes países, dizem: "Essa é uma transição de longuíssimo prazo e vai demorar mais 30 anos para fazermos essa transição, a gente não vai parar, vamos continuar".
No Brasil, quanto precisamos melhorar ou avançar em inteligência artificial?
Esse é um caminho sem volta e, inclusive, está sendo parte desse grande debate que a gente está vendo entre as big techs, os governos e países que têm capacidade de inovação e querem liderar esse processo. Agora, o quanto estamos em relação à evolução da inteligência artificial acredito que é uma pergunta sem resposta, porque a gente não sabe ainda até onde ela vai chegar no futuro.
O que esperar da COP30?
Esse é um outro tema que foi debatido aqui: as COPs, o financiamento, a transição energética. A COP30 vai ter uma importância muito grande na história das COPs. Temos de olhar isso a partir de uma perspectiva de evolução constante, como uma política pública. Quando um governo, seja municipal, estadual ou de um país faz uma política pública é o começo dela, seja na área de educação, de saúde, de energia. Depois, ela precisa ser aperfeiçoada porque estamos em constante evolução. As discussões vão evoluindo. Espero que se aprenda muito com o que não deu certo nas COPs anteriores e que se faça uma COP30 mais pragmática, propositiva e que se saia com encaminhamentos mais claros e que sejam cumpridos. Tenho receios quando são feitos encaminhamentos com números gigantescos que não são nem possíveis se serem alcançados. Mas o Brasil é reconhecido em todos os fóruns como o país que tem mais potencial para energias renováveis: eólica, solar, bioconbutível, hidrogênio verde... O Brasil tomou uma decisão acertada em colocar o embaixador André Corrêa do Lago como o presidente da COP. Eu ouvi excelentes elogios quanto ao seu trabalho e espero que ele tenha todo sucesso diante do desafio de fazer com que essa COP seja propositiva e pragmática, que entregue coisas. Temos uma grande oportunidade de mostrar ao mundo o que é o Brasil de fato. Temos o código ambiental mais severo do mundo e o agronegócio mais sustentável do planeta. Temos 86% da matriz energética, da energia elétrica renovável. Mais de 20% do combustível é biocombustível. O Brasil não pode perder a oportunidade de falar bem do Brasil. Independentemente da posição ideológica ou política, precisamos aproveitar a COP, que vai ser uma vitrine para mostrar o Brasil que dá certo.