Há exatos 20 anos, naquele maio de 2004, estava em Berlim estudando, com colegas jornalistas de mais de 20 países, em um curso de Jornalismo Ambiental, a convite do governo da Alemanha. Repórter iniciante, cobri em Bonn, a conferência "Renewables" sobre energias renováveis, enquanto varava, de trem, terras alemãs, observando no horizonte os gigantescos aerogeradores. Enquanto o Brasil engatinhava na energia eólica, os europeus já discutiam os impactos dessa forma de produção, que compromete rotas migratórias de aves.
Meses depois, comecei a cobrir as COP, as conferências das Nações Unidas sobre mudanças climáticas - a COP10, em Buenos Aires, a COP11, em Montreal e a COP13, em Bali. Em geral, era um tempo (e não faz muito) no qual o que ocorria do lado de fora, os protestos de grupos ambientalistas, costumava chamar mais a atenção do que o moroso processo diplomático nos salões acarpetados das reuniões. Falava-se do vencimento do Protocolo de Kyoto, e era preciso disputar espaço para o assunto entrar nas capas dos jornais. Os ambientalistas eram protagonistas de pirotecnia, e o agronegócio, vilão ambiental.
Veio Copenhague (COP15) e a conferência de Paris (COP21), na qual cheguei antes por conta dos atentados terroristas de 2015 na capital francesa.
O setor agrário mundial mudou sua participação nas conferências do clima desde a COP26, em Glasgow (Escócia). Foi o momento a formação do grupo de Koronívia, que versa sobre a atividade primária (agrícola, pecuária e silvícula), como parte da solução das emissões dos gases de efeito estufa. Foi o despertar do business.
As empresas foram deixando de fazer apenas o chamado "marketing verde" para trazer a responsabilidade ambiental para o centro da governança. O Brasil exibia ao mundo fotos da Amazônia em chamas.
Voltei a cobrir COP no ano passado, em Dubai: a conferência sobre mudanças climáticas em um país, os Emirados Árabes Unidos, que é um dos principais produtores de petróleo do mundo, tendo como presidente da reunião ninguém menos um governante do ramo: o lobo a cuidar do galinheiro, nas palavras da época.
O Brasil, sempre observado com lupa por abrigar em seu território a Floresta Amazônica, chegou em grande estilo, mas logo expôs suas contradições: o discurso de Lula pela extinção dos combustíveis fósseis carregava o peso de ter sacramentado o ingresso na Opep+ e escondia o esvaziamento do Ministério do Meio Ambiente- sem falar no desconhecimento sobre o Pampa como bioma e a exploração do petróleo na Foz do Amazonas.
Mas COP, agora, era coisa grande: as delegações do governo federal, do Estado e de Porto Alegre, além de setores empresariais e do agro, compareceram em peso. A tragédia no RS ocorre apenas meio ano depois da grande conferência de Dubai. Pela primeira vez em 28 anos que os países se reúnem, o tema dos recursos altamente poluentes apareceu no texto final.
Mas veio a tragédia gaúcha. Do dia para a noite, o desastre no RS trouxe debates acadêmicos, os alertas do IPCC e as discussões geopolíticas sobre os efeitos do aquecimento global para a sala de estar. As águas de maio calaram negacionistas do clima. Mas e quem acreditou nas mudanças climáticas, o que fez? O governo do Estado modificou regras do Código Ambiental. A prefeitura de Porto Alegre não deu ouvidos ao alerta de engenheiros do Dmae sobre a falta de manutenção do sistema de proteção contra cheias.
A mobilização nacional vai passar. As águas, oxalá, irão baixar. O Rio Grande do Sul deixará de ser notícia global. Mas onde estará a tragédia gaúcha quando o mundo esticar o olhar pelo retrovisor, a partir de Baku, no Azerbaijão, em novembro?