Antes de deixar Dubai, na manhã deste domingo (3), o presidente Lula rebateu as críticas sobre a entrada do Brasil na Opep+, o grupo de países exportadores de petróleo, confirmada durante a conferência mundial do clima, cujo tema predominante é a redução das emissões de gases do efeito estufa. No hotel Address Marina Dubai, onde ficou hospedado durante o evento, Lula brincou ao ser questionado sobre a contradição entre ingressar no clube de nações petrolíferas e defender redução do uso de combustíveis fósseis, como fizera em discurso a líderes internacionais, na abertura da COP28.
— O nome é tão chique, que só por ser chique, o Brasil deveria entrar: "Opep Plus". Poderia ser "observador" — afirmou.
Em seguida, ele explicou que a intenção é influenciar os países a encontrar alternativas ao petróleo e para que parte dos ganhos com esse combustível possa ser investida em desenvolvimento de energias renováveis.
— O Brasil não será membro efetivo da Opep nunca, porque nós não queremos. O que queremos é influir — disse.
Na entrevista, o presidente também respondeu a questões relativas ao acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. Lula se reuniu com o presidente francês, Emmanuel Macron, no sábado (2). Após o encontro, o líder europeu afirmou que dificilmente o tratado será fechado durante a presidência rotativa brasileira. Os presidentes do Mercosul se encontrarão na cúpula no próximo dia 7, no Rio de Janeiro.
— Fiz uma reunião com Macron para tentar mexer com o coração dele. Falei: "Macron, quando você voltar para França, abra o seu coração, cara. Pensa um pouco na América do Sul, pensa no Mercosul. Nós somos países pobres, temos países pequenos". Parece que ele não pensou — disse o presidente brasileiro.
Lula ainda comentou o referendo que será realizado neste domingo (3) na Venezuela, no qual os eleitores dirão se são favoráveis à anexação de parte do território da Guiana, o país vizinho. A reivindicação do governo de Nicolás Maduro pode levar a uma guerra na América do Sul.
— Provavelmente o referendo vai dar o que Maduro quer... Porque o chamamento ao povo para aumentar aquilo que ele entende ser território dele — disse Lula.
Questionado se teme um conflito no continente, ele lembrou a guerra entre Israel e Hamas. Disse que é uma contradição o mundo estar reunido em Dubai para discutir o futuro do planeta, enquanto ocorrem guerras:
— Quem não tem medo de guerra? Toda vez que eu vejo uma coisa daquela explodindo na Faixa de Gaza fico imaginando de fosse na minha cabeça. É uma contradição a gente fazer um encontro dessa magnitude para discutir a diminuição de emissão de gases do efeito estufa, e os caras jogando bomba. É uma contradição. A humanidade deveria ter medo de guerra.
Lula embarcou na manhã deste domingo (3) para a Alemanha.
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao grupo de jornalistas brasileiros em Dubai.
"Só por ser chique, o Brasil deveria entrar"
Sobre defender redução de combustíveis fósseis, mas aceitar convite para integrar a Opep+, grupo de países exportadores de petróleo:
"O nome é tão chique, que só por ser chique, o Brasil deveria entrar: "Opep Plus". Poderia ser observador. O observador vai para ouvir e dar palpite. Por que é importante o Brasil participar? O Brasil é observador do G7. Eu estou convidado desde que ganhei, em 2003. Sou observador. Nós convidamos para o Mercosul observadores, nós convidamos para o G20 observadores, nós convidamos para os Brics observadores. Há pessoas que vão. Muitas vezes até podem falar, mas não têm poder de decisão. O que nós queremos? É verdade que nós precisamos diminuir o combustível fóssil, mas é verdade que nós precisamos construir alternativas. Então, antes de você acabar com o sectarismo, você precisa oferecer à humanidade opção. Nossa participação na Opep Plus é para gente discutir com a Opep a necessidade dos países que têm petróleo e que são ricos começarem a investir um pouco do seu dinheiro para ajudar os países pobres do continente africano, da América Latina, da Ásia, a investir em combustíveis fósseis. Eles podem financiar etanol, biodiesel, eólica, solar, hidrogênio verde. Esse é nosso papel. Eu estava dizendo para a companheira Marina, quando fui entrar no sindicado em 1969, os meus companheiros, que pertenciam ao Partido Comunista Brasileiro, diziam: "Lula, você não pode entrar no sindicalismo, sindicalismo é pelego, você não vai conseguir mudar nada, você vai virar pelego". O que aconteceu? Mudamos a cara do sindicalismo brasileiro. Em 1978, nasceu o novo sindicalismo brasileiro. Acho que é participando desses fóruns que a gente vai convencer as pessoas de que uma parte dos recursos ganhos com petróleo deve ser investido para a gente ir anulando o petróleo, criando alternativas. É isso que nós vamos fazer. Não tem nenhuma contradição. O Brasil não será membro efetivo da Opep nunca, porque nós não queremos. O que queremos é influir."
"A cabeça dele é muito fértil"
Sobre a afirmação do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, da intenção de criar a Petrobras Arabia, em aproximação com a Opep+:
"Primeiro você deve fazer essa pergunta ao Jean Paul Prates, eu não fui informado de que a gente vai criar uma Petrobras aqui. Como a cabeça dele é muito fértil, e ele pensa numa velocidade de Fórmula 1, e eu funciono numa velocidade de Volkswagen, eu preciso aprender o que é isso que ele vai fazer. Se a Petrobras tem algum investimento para fazer aqui, eu não sei no que. Mas a Petrobras não vai deixar de prospectar petróleo. Porque o combustível fóssil ainda vai funcionar muito tempo na economia mundial. Enquanto ele funcionar, nós vamos conseguir pegar petróleo, nós vamos melhor a qualidade da gasolina. Não é de hoje, a gasolina brasileira tem 27% de etanol misturado a ela. Já não é poluente como as outras. Nosso diesel já tem 12% de biodiesel. Quando a gente fala de combustíveis no Brasil, tem de lembrar que estamos um passo a frente dos outros. (...) Agora, a Petrobras enquanto empresa terá de fazer o que precisar fazer para poder se transformar em uma grande empresa para ajudar o Brasil a crescer. Mas, ao mesmo tempo, a Petrobras vai se transformar em uma empresa não de petróleo apenas, mas que vai cuidar da energia como um todo."
"Eu falei: 'Macron, abra o seu coração, cara'"
Sobre entraves para acordo Mercosul-União Europeia:
"A posição do nosso companheiro presidente da França é conhecida historicamente. A França sempre foi o país que criou obstáculo no acordo do Mercosul com a União Europeia, porque a França tem milhares de pequenos produtores e eles querem produzir os seus produtos. O que eles não sabem é que nós também temos 4,6 milhões de pequenas propriedades até 100 hectares que produzem quase 90% do alimento que nós comemos, e que são alimentos de qualidade e que também queremos vender. Eles têm de saber que também temos indústria, queremos crescer e nós não vamos facilitar compras governamentais, porque nós queremos que nossa indústria cresça. A posição do Macron já era conhecida por mim. Ontem, eu fiz uma reunião com Macron para tentar mexer com o coração dele. Falei: Macron, quando você voltar para França, abra o seu coração, cara. Pensa um pouco na América do Sul, pensa no Mercosul. Nós somos países pobres, temos países pequenos. Parece que ele não pensou. Ele não deu nem tempo para o coração dele, porque ele já foi comunicar vocês. Mas vamos ter uma reunião do Mercosul no dia 7. No dia 6, vamos ter reunião com os ministros do Mercosul, estou pedindo para Celso Amorim ir na frente e fazer reunião com o movimento social brasileiro, com sindicatos, pequenos produtores, também me parece que não estão gostando da proposta feita. Se não tiver acordo, paciência. Não foi por falta de vontade. A única coisa que tem de ficar claro é que não digam mais que é por conta do Brasil e da América do Sul. Assuma a responsabilidade de que os países ricos não querem fazer um acordo na perspectiva de fazer qualquer concessão. É sempre ganhar mais. E não somos mais colonizados. Somos independentes. E queremos ser tratados apenas com respeito de países independentes, que temos coisas para vender e as coisas que temos para vender têm preço. O que queremos é um certo equilíbrio."
"Provavelmente o referendo vai dar o que Maduro quer"
Sobre o referendo na Venezuela:
"Conversei por telefone duas vezes com o presidente da Guiana, o Celso já foi à Venezuela conversar com Maduro. Provavelmente o referendo vai dar o que Maduro quer porque o chamamento ao povo para aumentar aquilo que ele entende ser território dele. Eles não acatam o acordo que o Brasil já acatou, porque não só a decisão de 1887 como a decisão de 1965 em que houve um tratado que o Brasil aceitou, e eles agora estão dizendo que não aceitam. Vamos ver o que vai dar. Acho que só tem uma coisa que o mundo não está precisando, se tem uma coisa que a América do Sul não está precisando agora é de confusão. Se tem uma coisa que precisamos para crescer e para melhorar a vida do nosso povo é baixar o facho, trabalhar, com muita disposição de melhorar a vida do povo e não ficar pensando em briga. Não ficar inventando história. Espero que o bom senso prevaleça."
"É uma contradição discutir a diminuição de emissão de gases e os caras jogando bomba"
Sobre risco de guerra na fronteira com o Brasil, entre Venezuela e Guiana:
"Quem não tem medo de guerra? Toda vez que vejo uma coisa daquela explodindo na Faixa de Gaza eu fico imaginando que fosse na minha cabeça. É uma contradição a gente fazer um encontro dessa magnitude para discutir a diminuição de emissão de gases do efeito estufa e os caras jogando bomba. É uma contradição. A humanidade deveria ter medo de guerra. Só faz guerra quando falta bom senso, quando o poder da palavra se exauriu por fragilidade dos conversadores. Acredito muito nisso. Vale mais a pena uma conversa do que uma guerra."