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O assassinato do jornalista e ex-deputado Fernando Villavicencio em Quito, capital do Equador, na tarde de quarta-feira (10), é mais do que um crime político isolado. É um atentado ao Estado no país latino-americano fragilizado pela polarização, corrupção e narcotráfico.
O candidato de esquerda à presidência, com longa trajetória como jornalista investigativo e depois, como parlamentar que chefiou a Comissão de Fiscalização e Controle Político da Assembleia Nacional, tinha vários inimigos. Denunciou, por exemplo, a venda de petróleo pelo governo do ex-presidente Rafael Correa para a China por valor abaixo do preço de mercado. Liderou várias apurações relacionadas a combustíveis fósseis, setor no qual começou a carreira política como sindicalista, também nos governos Lenín Moreno e Guillermo Lasso. Já havia sofrido outro atentado, quando, no ano passado, sua residência fora atingida por disparos, em setembro. E estava na mira do grupo criminoso Los Choneros.
Outra banda criminosa, Los Lobos, reivindicou nas últimas horas a autoria do assassinato, em vídeo divulgado nas redes sociais e no qual a organização faz ameaças a outro candidato, Jan Topic.
No Equador, as esferas política, econômica e o narcotráfico estão, em grande parte, mixadas. A fala de um bandido, no vídeo dos Lobos, dá a pista:
- Cada vez que políticos corruptos não cumprirem com suas promessas que estabelecemos, quando recebem nosso dinheiro, que são milhares de dólares, para financiar sua campanha, serão passados na bala.
Seja verdade ou não que Los Lobos sejam os responsáveis pela morte - a essa altura, vários grupos gostariam de reivindicar a morte e essa em específico pode estar assumindo o ato para demostrar poder -, o fato é que o assassinato passa pela relação inescrupulosa dos políticos com o narcotráfico. Los Lobos, por exemplo, é uma dissidência dos Cocheros, que tem ligações com o Cartel de Sinaloa, do México, e que vem há vários anos esticado seus tentáculos sobre países andinos e do Caribe, comprando políticos, provocando caos nas ruas e nas penitenciárias e buscando se tornar um poder paralelo ao do Estado, o que, em parte, já conseguiu.
Grupos criminosos, recentemente, provocaram massacres em penitenciárias e assassinaram um prefeito em regiões de Durán, Los Ríos e Manabí.
Não à toa, o presidente Lasso tem lançado mão, com frequência que põe em risco a democracia, do decreto de estado de exceção. Com o ato, anunciado novamente desde a morte desta quarta-feira (10), ficam restritas garantias constitucionais, como reuniões privadas, e as forças armadas têm passe livre para entrar em residências sem mandado de prisão.
Ao lado da violência das bandas criminosas, o Equador é palco de uma fragmentação do sistema político, corrupto até as entranhas. Lasso, empresário que chegou à presidência em 2021, sobreviveu a um processo de impeachment no ano passado por meio de uma estratégia que, embora prevista na Constituição, também põe em risco o Estado de Direito: quando percebeu que seria afastado pela Assembleia Nacional, onde a oposição é maioria, convocou a chamada "morte cruzada", dispositivo que permite ao Executivo dissolver o Legislativo sob o argumento de que o parlamento estaria inviabilizando o governo - uma medida semelhante à deflagrada pelo governo de Pedro Castillo, no Peru. A partir da medida, eleições gerais foram convocadas.
O pleito está previsto para próximo dia 20. Ou seja, a morte de Villavicencio, que estava em segundo lugar nas pesquisas, com 13,2% dos votos, atrás da candidata Luisa González (também de esquerda, que tem 26,6%), ocorre 11 dias antes. Mesmo com militares nas ruas e a promessa do governo de que a disputa nas urnas segue prevista, há sérios riscos de desestabilização. Os próximos dias serão tensos em um dos países mais pobres da América do Sul, onde ameaças de golpe também não são incomuns.