Lula andou por Portugal, recentemente, e até pela simpatia ideológica com o primeiro-ministro António Costa, do Partido Socialista, deve saber o que é a "geringonça" - o apelido dado à engenharia política construída pelo governo em novembro de 2015. Lá, tratou-se de uma engrenagem estranha entre o PS, de Costa, e legendas de esquerda e de extrema esquerda (Partido Comunista Português, o Bloco de Esquerda e Os Verdes), vista como frágil pelas diferenças entre os integrantes.
O que o PT vem buscando para viabilizar a governabilidade, abrindo mão da coerência, é nada mais ou menos do que uma "geringonça" versão tupiniquim - e muito maior do que a portuguesa.
Ao formalizar o apoio à releeição do deputado Arthur Lira (PP) para a presidência da Câmara, o partido abraça não apenas a legenda que apoia o presidente Jair Bolsonaro como se alia a um político que, durante a campanha, Lula considerou uma espécie de monarca, pelos superpoderes do orçamento secreto, que considerava "uma excrescência".
No raciocínio de Lula, que precisa agora aprovar a PEC da Transição, não é hora de criar problemas: ao apoiar Lira, não apenas garante seu apoio para a proposta que exclui o Bolsa Família do teto de gastos e evita a repetição de 2015. Naquele ano, o PT apresentou a candidatura de Arlindo Chinaglia à presidência da Casa, que perdeu para Eduardo Cunha, à época no MDB. Assim que tomou posse, Cunha inviabilizou o governo Dilma Rousseff e abriu as portas do impeachment.
O PT deixa claro que não irá inviabilizar a eleição de Lira, em 1º de fevereiro, que terá 14 partidos em torno de si. Mas a fala de deputados do partido esboça um abraço tímido, cheio de reservas ao rival. Isso porque no bloco de Lira, dificilmente o PP conseguirá deixar de fora Republicanos e PL, partido de Bolsonaro. Daí a ideia, tal qual uma geringonça portuguesa, de o PT e o PSB, partido do vice eleito Geraldo Alckmin, junto com PC do B e PV, formarem uma federação governista. O PT imagina ainda conseguir atrair para a "geringonça" PSD, MDB e União Brasil (que já declarou apoio a Lira, mas nesta terça-feira (29) recebeu convite de Lula para integrar o governo).
Em tempo: no dicionário, geringonça significa "o que é malfeito, com estrutura frágil e funcionamento precário; um aparelho ou mecanismo de construção complexa". No caso português, a engenharia política implodiu em 2022, com, adivinhem, a dificuldade cada vez maior de políticos, de matizes tão diferentes, justificar a seus eleitores que suas propostas, por vezes, não eram as mesmas.