Na guerra da Rússia contra o Ocidente há, desde o início, dois fronts muito claros: o militar, que deixa mortos, feridos e provocou o maior êxodo de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial; e o econômico, cujo gás é a principal arma geopolítica. A cada volta que o planeta Terra dá em torno de seu próprio eixo, o Hemisfério está mais perto do inverno, temor dos generais e, mais recentemente, de empresários e cidadãos europeus.
Lá atrás, o continente decidiu, a contragosto dos Estados Unidos, entregar nas mãos dos russos as torneiras do gás que faz mover suas fábricas e aquece seus lares. Resultado: desde antes da invasão da Ucrânia, quando Vladimir Putin ainda acumulava tropas em suas fronteiras, já se sabia que o Kremlin jogaria, estrategicamente, com a dependência dos europeus. Veio chantagem em cima de chantagem.
Os relatos de brasileiros que estão na Europa dão conta de que são cada vez mais frequentes os blackouts e o racionamento de energia. O fluxo de gás entre a Rússia e o continente, que já fora reduzido desde o início da guerra, agora chegou a um nível dramático, depois das explosões que danificaram os gasodutos Nord Stream 1 e 2 nas costas da Dinamarca e Suécia.
Enquanto bolhas ainda são vistas na superfície do Mar Báltico, provocadas pela ruptura das gigantescas estruturas, Putin propõe que a Turquia se torne uma espécie de hub de distribuição do produto para a Europa. E joga com as palavras.
— Basta a União Europeia (UE) querer — disse.
O protoditador turco Recep Tayyp Erdogan, aliás, tem se tornado o mediador possível do conflito - e único, diga-se de passagem. Desde que um acordo foi firmado para a liberação de exportações de produtos agrícolas a partir de portos ucranianos, mais de 7 milhões de toneladas de grãos deixaram o país invadido. É lento, é pouco, envolve muita desconfiança, mas tem funcionado.
A opção de exportação do gás pela Turquia, agora sugerida por Putin, deslocaria o envio do Mar Báltico para o Mar Negro. Putin também afirma que poderia continuar exportando gás pela única linha que segue operacional do Nord Stream 2 (três foram danificadas).
A oferta põe a Europa diante de um dilema. Ceder à Rússia e ver seus reservatórios se encherem novamente, desagradando aos Estados Unidos, rachando a aliança anti-Rússia, ou fincar pé e continuar com a angústia de ver o inverno se aproximar e suas empresas pararem. O chanceler alemão, Olaf Scholz, vem tentando alternativas no Catar e na Arábia Saudita para importação do produto. Noruega, Argélia e Estados Unidos aumentaram as exportações. Mas não é suficiente.
O efeito colateral da crise energética é política. Os custos crescentes do setor pressionam a inflação, que, em toda a UE, em agosto, ficou em 9,1%. Deve acelerar no final do ano. As turbulências, que já derrubaram governos na Itália e no Reino Unido, fazem novas vítimas. Na sexta-feira, a primeira-ministra britânica, Liz Truss, demitiu o ministro das Finanças do país em meio à tempestade econômica que ameaça, inclusive, a continuidade de seu mandato.