Ao declarar alerta máximo na Rússia, inclusive na capital, Moscou, Vladimir Putin está passando atestado de que sentiu o tombo: a guerra na Ucrânia, até agora distante da vida cotidiana, chegou ao seu país.
Já havia dois sinais de que se chegaria a isso. O primeiro: a convocação de 300 mil reservistas para substituir as desgastadas tropas no front, decisão que colocou o conflito na sala de estar das elites de Moscou e São Petersburgo - até então, o conflito sugava militares dos grotões russos, em especial do Cáucaso, e não das metrópoles. Outro sinal: os ataques com carro-bomba, que matou a filha do ideólogo de Putin, e a explosão na ponte sobre o Estreito de Kerch, colosso e orgulho do Kremlin, mostraram que a Ucrânia é capaz de atacar dentro da Rússia.
Agora, Putin traz o conflito ainda mais para o dia a dia dos cidadãos. O alerta máximo limita a circulação de pessoas, com aumento de barreiras policiais, checagem de documentos e militarização nas ruas.
No caso dos territórios ucranianos anexados pelo Kremlin em referendos ilegais - Kherson, Zaporizhia, Donetsk e Luhansk (15% de toda a Ucrânia), a situação é mais delicada. Na mesma reunião de Putin com seu Conselho de Segurança, ele implementou lei marcial. Trata-se de um decreto definido para cenários de crises civis e políticas, nos quais passam a vigorar leis militares no lugar das civis. Na prática, os direitos garantidos pela Constituição são colocados de lado - e as forças armadas têm poder de intervenção no dia a dia da população, com prisões arbitrárias a possibilidade de transferir grandes massas de populações. O argumento do governo russo para fazer isso em Kherson, por exemplo, é o risco de bombardeios ucranianos, mas a ação pode esconder deslocamento forçado de seres humanos, o que é considerado crime de guerra.
A medida revela o descontrole o governo Putin, que lançou mão de uma cartada arriscada ao fazer os referendos nas quatro regiões sem que essas estivessem sob total controle das forças russas, como estava a Crimeia, em 2014. Lá, o front é móvel - em Kherson, metrópole portuária de quase 300 mil habitantes, por exemplo, espera-se uma ofensiva fulminante das tropas ucranianas nos próximos dias. Na prática, agora, Putin dobra a aposta.