Vladimir Putin está contra a parede. Embora estratégico, ao fazer um anúncio tão impactante no dia em que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, falará na Assembleia Geral das Nações Unidas, a subida de tom denota certo desespero.
Nesta quarta-feira (21), enquanto o Ocidente ainda dormia, ele veio a público, em uma mensagem gravada na TV anunciar a convocação de 300 mil reservistas para lutar na Ucrânia e dizer que usará todos os meios caso os interesses da Rússia estejam ameaçados, o que foi entendido como uma ameaça velada da utilização de armas nucleares.
Conhecedor de como analistas costumam ver suas bravatas, salientou:
- Não é blefe!
Ok, pode não ser. O entendimento diante de um líder que tem armas nucleares a sua disposição, quando ele ameaça fazer uso das mesmas, é sempre delicado. Sempre pode ser blefe, chantagem. Mas o simples fato de alguém dispor desse tipo de arsenal deixa a dúvida no ar: usaria ou não. E foi assim, durante quatro décadas, que as relações internacionais se basearam: na ameaça de Estados Unidos ou União Soviética utilizarem seus arsenais, a chamada destruição mútua assegurada. Afinal, o que vem depois, no caso de Putin ou qualquer outro líder atômico apertar o botão, é imponderável - o certo é que haverá resposta, se o mundo não acabar, e a Terceira Guerra Mundial será o mínimo.
Mas o que provocou esse discurso inflamado de Putin, que em quase sete meses de guerra na Ucrânia (a serem completados no sábado, 24), não havia feito um pronunciamento na TV russa falando sobre o conflito.
Primeiro, as forças armadas russas estão acuadas, sofrem a mais dura contraofensiva desde o início dos combates. No nordeste do país, suas forças foram empurradas de volta para o território russo - Kharkiv, de onde bateram em retirada, fica a apenas 40 quilômetros da fronteira.
Segundo, há um claro esgotamento das forças armadas da Rússia no front, além de problemas logísticos. Putin nunca declarou formalmente guerra à Ucrânia - ele a chama de operação militar especial. Declarar guerra implicaria convocação de toda a sociedade para o confronto - e, ato contínuo, o envio de jovens da classe média de Moscou para o horror dos combates. Não, por enquanto, o grosso da tropa russa na Ucrânia é formada por pessoas saídas do interior russo, de lugares distantes da capital, e e por milícias do Cáucaso, senhores da guerra acostumados ao frio e outras situações atrozes do front. Putin não chama a elite russa para lutar porque isso colocaria em risco a manutenção do regime.
Mas o autocrata do Kremlin, estrategista que é, soube dar um segundo lance importante. Não é surpreendente porque já estava em seus planos e já foi usado. Mas chama a atenção. Utilizando-se de governantes locais, irá realizar referendos em quatro regiões ocupadas da Ucrânia - Donetsk e Luhansk, as duas províncias separatistas que serviram de argumento para a invasão, Zaporizhia, onde fica a maior usina nuclear da Europa, e Kherson, uma das mais importantes cidades do Sul, que lhe garante a ponte para a Crimeia. Com cartas marcadas, a consulta certamente terá como resultado o "desejo" da população de que seu território se una à Rússia. Isso deve ocorrer entre sexta (23) e a próxima semana.
À margem do direito internacional, Putin fez algo semelhante na Crimeia, depois de 2014. Em 16 de março daquele ano, a população da península respondeu a duas perguntas:
- Você é favorável a que a República Autônoma da Crimeia se una novamente à Rússia como parte constituinte da Federação Russa?
- Você é favorável a restaurar a Constituição da República da Crimeia de 1992 e a condição da Crimeia como parte da Ucrânia.
Detalhe: as opções não incluíam manter o status quo da Crimeia como estavam no momento em que o referendo foi realizado. Ambas as perguntas resultariam, na prática, na separação de fato da Crimeia da Ucrânia.
Mais de 90% da população aprovou, supostamente, a decisão de se unir à Rússia, algo que não é reconhecido pela ONU.
O mesmo deve ocorrer em Donetsk, Luhansk, Zaporizhia e Kherson. Isso tudo estava nos planos e era previsível. O que poucos dizem é que, esses territórios, passando a ser entendidos pelo Kremlin como Rússia, ataques a essas regiões serão entendidos como ofensivas ao próprio país. E aí é que a Rússia se dará o direito de revidar. Com todas as forças - inclusive nucleares.