É tentador, ao assistir "Munique: No Limite da Guerra" (disponível na Netflix), traçar paralelos entre a Europa pré-Segunda Guerra Mundial e a atual crise entre o Ocidente e a Rússia por causa da Ucrânia. Mas é necessário cuidado: os contextos, obviamente, são diferentes. Embora haja algumas semelhanças, a Ucrânia não é a Tchecoslováquia, a Rússia não é a Alemanha nazista e Vladimir Putin não é Adolf Hitler.
Deleite para quem gosta de política internacional e História, o filme do diretor Christian Schwochow revela os limites da política em impedir a guerra (afinal, como dizia Clausewitz, a guerra é a continuação da política por outros meios), sem que se conheça os reais interesses nas mentes dos líderes, entre os quais os tiranos.
Em 1938, o Ocidente sacrificou os Sudetos em troca de uma suposta paz na Europa. O primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain imaginava que, ao ganhar a região da Tchecoslováquia, Hitler teria sua sede territorial sanada. Pelo sim pelo não, assinou, em separado, um documento de não-agressão com o ditador nazista. O papel, sem valor algum, foi apresentado como triunfo pelo primeiro-ministro ao voltar a Londres. A guerra estouraria menos de um ano depois.
É equivocado, ingênuo e, por vezes, desleal julgar fatos históricos com os olhos do presente. Mas chega a ser irritante a inocência de Chamberlain mostrada no filme (embora o objetivo de Robert Harris, autor livro "Munique", que deu origem à obra cinematográfica, fosse justamente reabilitar sua reputação). Alertado pela oposição e por membros do próprio partido, como Winston Churchill, de que Hitler não era confiável, Chamberlain foi a Munique arrancar uma promessa vazia do Führer.
Hitler não ficou só com os Sudetos. Abocanhou quase toda a Europa. Em 10 de março de 1939, invadiu o resto da Tchecoslováquia, ocupando Praga. Seis meses depois, tomou a Polônia, o ato número 1 da Segunda Guerra Mundial.
Um ano e oito meses depois de voltar como herói por supostamente ter evitado o conflito - hoje, sabe-se que ele apenas foi adiado -, Chamberlain renunciou sob os ecos da frase histórica de Churchill: "Entre a desonra e a guerra, escolheste a desonra... e terás a guerra".
Trazendo para os dias atuais, há semelhanças: o Ocidente dá a Putin o Donbass (região separatista da Ucrânia, onde ficam as "repúblicas" de Donetsk e Luhansk). Logo em seguida, ele envia tanques a Kiev e ocupa todo país.
Ironicamente, dessa vez, quem estende a chance de diálogo é a Alemanha, que titubeia em enviar armas para a Ucrânia, o que, na visão dos críticos, encoraja Putin.
O argumento russo para o Donbass ("proteger os russos étnicos onde quer que estejam") também guarda semelhanças com o de Hitler, de proteger os alemães dos Sudetos.
Putin não é Hitler e possivelmente só deseje mesmo criar governos títeres (pró-Moscou) em seu "Exterior próximo", a área que o Kremlin considera sua legítima e histórica esfera de influência para consolidar seu sonho de reposicionar a Rússia como grande potência. Mas as lições de Munique (grosso modo, "nunca agrade um ditador") valem como alerta. Os russos ficam com o Donbass, os ocidentais saem eufóricos após garantirem a integridade do resto da Ucrânia, e o mundo suspira aliviado porque não chegamos à Terceira Guerra Mundial. Em 1938, durou menos de um ano para que a ficha caísse. Quanto tempo demoraria agora?