Nada é muito novo nesse jogo de pressão entre Estados Unidos e Brasil na questão da 5G. A Huawei, empresa chinesa que a Casa Branca quer que o Planalto barre do leilão sobre a implantação da tecnologia de quinta geração da internet móvel, está no país desde 1999 e esteve presente na formação das redes de praticamente todas as principais operadoras de telefonia do país (2G, 3G e 4G).
Uma vez que participe do leilão da 5G, a companhia tem fortes chances de sair vencedora, porque, como boa parte da infraestrutura já está instalada, sua operação seria muito mais econômica nessa nova fase do que no caso de um concorrente.
As pressões americanas começaram a ganhar força em 2011, quando, após a crise econômica global de 2008, a China abocanhou espaços no Ocidente, ameaçando a hegemonia dos Estados Unidos no pós-Guerra Fria. Parecia que, no governo Donald Trump, a abordagem aos aliados para que rejeitassem os chineses chegaria ao auge. Como demostra a proposta feita pela delegação de Joe Biden enviada a Brasília na semana passada, não estávamos nem perto disso. Conforme o jornal Folha de S. Paulo, Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional e chefe da delegação americana despachada para o Brasil, ofereceu ao governo Jair Bolsonaro apoio para que o país se torne sócio global da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). É fogo pesado - Trump, no máximo, havia definido o Brasil como aliado extra-Otan, ou seja, parceiro estratégico, porém fora da aliança atlântica. Agora, em troca de integrar o seleto grupo de nações aliadas da Otan - mesma condição de Colômbia, Afeganistão, Austrália, Iraque, Japão, Coreia do Sul, Mongólia, Nova Zelândia e Paquistão -, Biden pede "apenas" que o Brasil exclua a Huawei.
Colocando os pontos nos is: primeiro, ao sugerir a inclusão, os enviados de Biden tentam seduzir os militares brasileiros, sabedores de sua influência sobre Bolsonaro - o que, na questão chinesa, não precisaria muito diante da abordagem ideológica do presidente e de seu círculo mais próximo. Segundo, participar como sócio global da Otan tem vantagens do ponto de vista estratégico, é o sonho da maioria dos comandantes brasileiros, pelas condições especiais para compra de armas de países que integram a organização e por permitir a participação de oficiais em programas de cooperação da aliança. Mas é preciso pés no chão: para um país como o Brasil, comprar armas não é algo assim tão comum. O Brasil gasta pouco com Defesa - e o orçamento das Forças Armadas é engolido em boa parte pela folha de pessoal. Segundo, o apoio dos americanos para ingresso como sócio da Otan é muito importante, mas a decisão precisa ser aprovada pelos demais membros - o que diriam França e Alemanha, que recentemente entraram em rusgas com o Planalto pela (não) abordagem da questão ambiental?
A associação também cria mecanismos de assistência de membros da Otan em situação de conflito internacional. Em caso de guerra (como a que ocorreu na Líbia), o Brasil poderia ser chamado a participar. Por outro lado, se ameaçado, receberia o apoio dos demais. Aqui entra outro ponto, o Brasil não sofre ameaças de governos externos. Segundo, a garantia de assistência por meio de acordos, como o Tiar (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca), nem sempre se cumpre. Na Guerra das Malvinas, a Argentina esperava que um ataque contra um membro fosse entendido como um ataque contra todos. Não foi. Os EUA não abriram mão de sua aliança carnal com o Reino Unido para ficar ao lado de um vizinho de continente americano.
A China, principal destino de exportação de produtos brasileiros, é bom lembrar, considera discriminatória, excludente e política a campanha dos EUA para impedir a participação da Huawei no mercado 5G. O ideal seria que o Brasil adotasse o pragmatismo de negociar com todo o mundo - sem olhar para a coloração ideológica. Mas, diante da pressão americana e sem grandes condições de barganha devido à erosão de sua imagem perante o planeta, talvez se aproxime a hora de escolher de que lado vai ficar.