Toda nação tem seus esqueletos no armário. A segregação racial nas entranhas da América é o lado obscuro do país da liberdade e da democracia.
De tempos em tempos, desigualdades sublimadas vêm à tona, normalmente em cenas dramáticas e revoltantes como a do negro George Floyd sufocado até a morte pelo policial branco Derek Chauvin, em Minneapolis. O assassinato deflagrou uma onda de protestos que transborda as fronteiras do Estado de Minnesota, chegando na sexta-feira a Nova York, Kentucky, Ohio e Nevada.
Nem o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos conseguiu reduzir a cisão histórica da sociedade americana. Ao contrário, houve mais casos de truculência policial contra afro-americanos durante cada um dos mandatos de Barack Obama do que nos três anos e meio de Donald Trump. Um dos mais emblemáticos foi o de Eric Garner, em Nova York, em 2014. Mudam os personagens, mas o contexto foi quase o mesmo. Não ocorreu com o joelho de um policial branco que Garner morreu. Mas com uma chave de braço em seu pescoço, enquanto ele gritava 11 vezes, dizendo que não conseguia respirar. Sua morte deu origem ao movimento BlackLivesMatter (Vidas Negras Importam), que denuncia os assassinatos de afro-americanos pela polícia usando força letal injustificada.
A divisão racial americana é um aspecto que perpassa décadas e governos. Se a eleição de Obama não resolveu, a chegada de Trump à Casa Branca aprofundou. Segundo uma pesquisa da Universidade Quinnipiac divulgada em julho passado, 80% dos eleitores negros consideram que o presidente americano é racista.
Em 2016, ao percorrer de carro a América profunda, nos dias que antecederam o pleito, escrevi uma série de reportagens que mostrava que o voto no republicano era majoritariamente do americano médio, branco e heterossexual. A segregação permanece ainda muito elevada. Várias pesquisas mostram que negros e brancos têm relativamente poucos vizinhos de outra raça em seus próprios bairros. O "branco típico" do país vive em um bairro onde 75% da população é branca e 8% é negra. Já o típico negro mora em um bairro onde 45% pertencem à sua raça e 35% são brancos.
A disparidade de riqueza entre as famílias negras e brancas também é fundamental para entender o racha. Minneapolis, onde os esqueletos saíram do armário americano nos últimos dias, é o microcosmos dos EUA: afro-americanos ganham, em média, um terço do que os residentes brancos. Concluem com dificuldade o High School - a taxas inferiores do que os brancos -, são mais propensos a estarem desempregados e tendem a integrar famílias com rendas bem menores do que as dos moradores brancos. Essas disparidades, resultado de gerações de políticas públicas discriminatórias, são elementos que alimentam a morte de Floyd e a revolta subsequente que, em ciclo vicioso, geram mais violência e novos atos de racismo.