O tamanho da crise internacional em que se transformou a questão da Amazônia, em boa parte devido à falta de tato e diplomacia do próprio governo brasileiro, pode ter pego de surpresa o Planalto. Mas não se poderá dizer o mesmo ao final dos próximos 35 dias, quando o tema da tragédia florestal brasileira voltar, com força, à arena internacional.
Há pelo menos dois novos rounds em que o Brasil será pressionado a prestar contas sobre como está zelando pela Amazônia. O que disser tem potencial explosivo maior do que o motivado pelos dados dos desmatamentos e queimadas do Inpe e da Nasa, turbinados pelas redes sociais. No primeiro round, o Brasil falará ao mundo. No segundo, terá de escutar.
Em 24 de setembro, como é tradição, o discurso do chefe de Estado brasileiro abrirá a Assembleia Geral das Nações Unidas. Será o primeiro de Jair Bolsonaro, que interna para nova cirurgia no dia 8, tira 10 dias de licença mas, a se confirmarem as previsões, estaria apto a viajar a Nova York .
Até o anúncio da nova operação, o Planalto trabalhava com a ideia de um discurso direcionado a reforçar a soberania sobre a Amazônia e que os incêndios não sejam usados como desculpa para propostas intervencionistas. Será hora de olhar no rosto do presidente francês, Emmanuel Macron, a primeira vez desde o bate-boca que descambou para questões pessoais há duas semanas. Os olhos do mundo estarão voltados para a fala de Bolsonaro. A política internacional não costuma aceitar discursos dúbios, dados sem embasamento científico ou fake news.
O segundo round será mais longo e desafiador para os interesses do governo brasileiro. Convocada pelo papa Francisco, a Igreja Católica irá se reunir em Roma na Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos da Região Pan-amazônica, de 6 a 27 de outubro de 2019. O tema: "Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral".
Nove países compartilham a Pan-amazônia: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa, e Francisco tem mostrado preocupação com a crise dos incêndios — no domingo (1º), falou pela segunda semana consecutiva sobre o assunto durante o Ângelus. Para a Santa Sé, a atual realidade da exploração econômica da floresta apresenta-se como uma ameaça para o planeta. O Itamaraty está preocupado e vem encarando o encontro como de risco para os interesses brasileiros. O próprio presidente confirmou, no sábado (31), a jornalistas que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) monitora a preparação da reunião.
Antes que se acuse o papa Francisco de "globalista" (dentro do que o setor ideológico entende pela palavra) e a Igreja Católica de "esquerdalha", a convocação para o sínodo e a escolha do tema Amazônia foram feitos bem antes da eleição de Bolsonaro: em 15 de outubro de 2017.