Começou como algo distante, que parecia não nos dizer respeito: suspeitas de atividade russa no Facebook para espalhar fake news que poderiam influenciar a política de alguns países.
Depois, veio a acusação de que a empresa de Mark Zuckerberg teria servido como plataforma para irradiar ódio em Mianmar, no Sri Lanka e na Nigéria.
Então, Donald Trump foi eleito presidente nos Estados Unidos, e a primeira bomba explodiu: a rede social havia coletado dados de 50 milhões de usuários e os entregue à consultoria Cambridge Analytica para influenciar eleitores a favor do Partido Republicano.
Agora, não é na distante Mianmar nem um assunto de alta política em Washington. A segunda bomba, que explode a partir da mais ampla reportagem já realizada sobre as entranhas do Facebook, veio pelas mãos dos jornalistas do The New York Times.
O assunto, agora, diz respeito a mim, a você, a nossos "amigos" no Facebook e aos de verdade, aos colegas aí ao seu lado no trabalho e importa até para aquela sua tia que aprendeu ontem a curtir posts e a compartilhar fotos de gatinhos ou de seus artesanatos na timeline.
Em algum momento, as mais poderosas empresas de tecnologia sentaram-se a uma mesa ou fizeram uma reunião online para acertar detalhes de como nos enganar. Mais, combinaram como abrir, sem pedir licença, as portas de nossas vidas diárias: naquilo que assistimos (Netflix), no que ouvimos (Spotify), no que compramos (Amazon) e no que pesquisamos (Bing, serviço de buscas da Microsoft), para ficarmos nas empresas mais populares que fizeram o tal acordo para violar nossa privacidade.
No total, foram mais de 150 companhias para as quais o Facebook entregou os nossos dados. Um exemplo: aplicativos como Bing ou sites de críticas de restaurantes ou de cinema tiveram acesso ao que dissemos sobre um jantar a dois, o que comentamos sobre um filme. Ao que falamos nós e ao que falaram nossos "amigos". Mesmo que não tenhamos permitido.
Não bastasse, enquanto a empresa propagava aos quatro ventos que havia reforçado suas políticas de privacidade e dado transparência a seus processos – quem não lembra de Zuckerberg falando perante o Congresso americano em abril? –, por baixo dos panos o Facebook estava mais preocupado em dissimular erros, jogando para baixo do tapete a sujeira virtual, do que em corrigir sua plataforma.
Ética nunca foi qualidade de Zuckerberg. Quem assistiu ao filme A Rede Social sabe em que bases ele erigiu seu império com os colegas de quarto da Universidade de Harvard. A empresa de 2,2 bilhões de usuários, entre eles eu, você e sua tia, começou porque o rapaz queria difamar sua namorada na internet depois de levar um fora. Criou, então, um site onde garotas competem por votos para serem escolhidas as mais bonitas da faculdade. Ser um veículo de jornalismo tampouco era seu objetivo, embora muita gente confunda o Facebook com uma plataforma de notícias. O negócio de Zuckerberg é ganhar dinheiro. Custe o que custar.