Não posso deixar de escrever, ainda que com atraso, sobre a polêmica do mês em Porto Alegre. A Câmara de Vereadores aprovou, no começo de maio, um projeto que proíbe as escolas de usarem a chamada linguagem neutra – aquela que mexe no gênero das palavras.
A discussão cresceu no ano passado, quando professores de uma escola municipal se dirigiram aos estudantes, em comunicados e cabeçalhos, como "alunxs" e "alunes". Para proibir o dialeto, um grupo de vereadores passou a argumentar que "nossas crianças têm o direito de aprender o português correto" – como se algum colégio tivesse deixado de ensiná-lo.
Não custa esclarecer: a linguagem neutra nunca caiu em provas nem foi cobrada em exercícios. Ela apenas aparecia na forma como alguns professores (nem todos, claro) e alguns alunos (nem todos também) se comunicavam entre si. Só que uma parte dos pais, é verdade, sempre foi contra essa linguagem em qualquer situação na sala de aula. Tudo bem, merecem respeito.
Eu mesmo tenho minhas dúvidas sobre a necessidade de usar "alunxs" ou "alunes" em comunicados que vêm da escola. Até aí, nada de errado, estamos debatendo. O que jamais vou entender é por que diabos a escola precisa, o tempo inteiro, reproduzir necessariamente a mesma visão de mundo dos pais. É um narcisismo irritante, burro e limitador.
O estudante ideal, como escreveu Contardo Calligaris, é o que contesta a família com o que aprendeu no colégio e contesta o colégio com o que aprendeu na família. Porque, se a escola e a família são os grandes instrumentos de formação – e deformação – dos jovens, não pode ser saudável que ambas "concordem" toda hora. Pelo contrário: é a divergência entre elas que cria o espaço de conflito necessário para o aluno encontrar sua própria autonomia.
Existem alunos que detestam a linguagem neutra. E existem outros que adoram. Silenciar esse assunto justamente no ambiente mais propício para um jovem se expressar, em primeiro lugar, não adianta nada – porque todos continuarão lendo e ouvindo "amigues" ou "bonites" nas redes sociais, no WhatsApp e em grupos de amigos. Mas a pior consequência é calar, distanciar, empurrar para fora do ambiente escolar adolescentes que se identificam (e querem usar) um dialeto que lhes oferece uma sensação de pertencimento, fundamental nessa faixa etária.
Ao proibir a linguagem neutra, vereadores tentam, na verdade, proibir os jovens de formar um juízo crítico sobre como vão se expressar. Que benefício pode ter isso para a educação de alguém? A esperança, agora, é que o prefeito Sebastião Melo vete essa aberração.