Minha querida prima,
Nem me fale, concordo que está difícil educar os filhos hoje em dia. Não ouvem nossos conselhos e preferem os caminhos mais perigosos, sempre se achando os tais. São as liberdades deste novo século.
O Lúcio, meu mais velho, agora está cheirando, acredita? Não sei como pegou esse vício horroroso. Onde quer que esteja, o Lúcio abre aquela caixinha e aspira o rapé sem qualquer cerimônia. Em casa, na faculdade, na condução, no teatro, até na igreja ele cheira. E a mãe dele o defende. Diz que é uma fase, diz que não faz mal, diz que até perguntou para a Valda, que tem um marido médico, e ele garantiu que não prejudica a saúde.
Pode até ser, compreendo que milhares de jovens fazem a mesma coisa por aí, mas o Lúcio vive espirrando. Não há quem aguente uma pessoa com o nariz escorrendo o tempo todo. Para pedir emprego, esses tempos, ele cheirou porque queria ficar desinibido: passou a entrevista inteira aos espirros, não completou uma única frase.
Depois, apaixonou-se por uma moça e foi pedir a mão dela em casamento. Parece que o sogro estranhou aquele ataque de espirros, mas estava disposto a relevar. Até que o Lúcio tirou do bolso a caixinha com pó. "O senhor é viciado nisso?", o pai da moça perguntou. Meu filho confessou que sim e, desde lá, nunca mais viu a namorada. Claro, o sogro deve tê-lo odiado.
O triste é que o Demétrio, meu mais novo, também está se desviando. Não quer saber de estudar, não gosta de ler, não aparece nos compromissos de família. Descobrimos que, quando estamos dormindo, de madrugada, ele pula a janela e desaparece. Sabe aonde ele vai?
Vai fazer serenatas!
Comprou até um violão sem nós sabermos. Meu filho virou um seresteiro, meu Deus, um seresteiro! Sempre fazendo barulho embaixo das janelas, acordando gente que precisa levantar cedo. Não sei do que sinto mais medo: se das companhias – você sabe como são desajustados esses músicos –, ou se de vê-lo pegar uma pneumonia. Porque esse sereno da madrugada é perfeito para uma pneumonia.
Já a menorzinha, a Alice, está viciada nesses equipamentos modernos. Passa boa parte do dia com aquele aparelho na frente do rosto, e parece estar se afastando da realidade, ingressando em um mundo paralelo, distante da gente. Esse novo século ainda vai destruir os nossos jovens. Cuidado com esse aparelho, prima, não deixe seus filhos usarem demais. Chama-se caleidoscópio.
Beijos do José Carlos
Porto Alegre, julho de 1903