Tanto pelo alerta que traz como pelo detalhamento contido, merece atenção o estudo recém-publicado “Saneamento é saúde: como a falta de acesso à infraestrutura básica impacta na incidência de doenças”. O trabalho foi executado pelo Instituto Trata Brasil, em associação com a EX Ante Assessoria. Aborda o quanto a falta de acesso a água potável, coleta e tratamento de esgoto impacta a ocorrência das chamadas Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI), como diarreias, cólera, hepatite, dengue e leptospirose, entre várias outras. São enfermidades que matam e geram altos custos nas hospitalizações.
Em todo o país, se está diante de milhares de mortes que seriam evitáveis se existisse uma infraestrutura adequada
As conclusões reforçam o atraso brasileiro e a premência de acelerar os esforços para a universalização do saneamento básico. Segundo o estudo, o Brasil teve no ano passado 344,4 mil internações por DRSAI, que geraram R$ 174,309 milhões em despesas. No Rio Grande do Sul, foram 12.222 pessoas que precisaram de maiores cuidados médicos por causa dessas enfermidades. Em nível nacional, registrou-se 16,2 casos de internações a cada grupo de 10 mil habitantes. O Estado se sai melhor, com uma taxa de 10,883, entre as mais baixas do país, mas o recente surto de dengue é um ponto de atenção.
O saneamento inadequado não é a única causa para a proliferação do mosquito transmissor, o Aedes aegypti, mas é um dos fatores que influencia. As internações ocasionadas por enfermidades com transmissão feco-oral, ademais, são tão representativas no Estado quanto as causadas por inseto vetor. Das 12.222 hospitalizações no Rio Grande do Sul no ano passado, 5.719 tiveram origem na rota fecal e oral.
O estudo não tem os dados de mortes causadas por essas doenças em 2024. Mas em 2023, no país, foram 11.554 vítimas fatais. No Rio Grande do Sul, o número chegou a 398, sendo 314 por enfermidades de contágio feco-oral, que atingem especialmente as camadas mais vulneráveis da população, a maior parte dos alijados de saneamento adequado. A quantidade de mortes por DRSAI deve ter sido maior em 2024 devido aos números recordes da dengue.
Mas o fato é que, em todo o país, se está diante de milhares de mortes que seriam evitáveis se existisse uma infraestrutura adequada. A cobertura do saneamento no país avança, mas em velocidade aquém do razoável. A constatação de que o quadro já foi pior não é motivo de conforto. Entre 2008 e 2024, as internações caíram a uma média anual de 3,6%. Os óbitos, no entanto, mostram elevação em 2022 e 2023 por causa da dengue e os dados de 2024 devem ser ainda mais alarmantes.
Também de acordo com o instituto, que acompanha a evolução do saneamento básico no país, são mais de 30 milhões de brasileiros sem acesso a água tratada e outros 90 milhões que não contam com serviço de esgoto. As metas de universalização previstas em lei indicam que o Brasil tem de chegar a 2033 com 99% da população com acesso a água potável e 90% com captação e tratamento de esgoto. É um objetivo difícil de ser alcançado nesse prazo, mas deve existir persistência para atingi-lo. Significaria 80 mil internações a menos por ano e outras milhares de vidas poupadas, além de um ambiente também mais protegido.