Este espaço, há duas semanas, registrou que parecia ser um avanço o acordo firmado entre o Congresso e o governo federal, homologado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, para dar maior transparência e rastreabilidade às emendas parlamentares. Nos dias seguintes, o plenário da Corte corroborou o entendimento por unanimidade. Mas aqui também foi alertado de que seria prudente aguardar a implementação das medidas para conferir se as boas intenções se confirmariam na prática ou um novo subterfúgio seria criado. Não deu outra. As normas aprovadas na noite de quinta-feira pelo Congresso mantêm uma porta aberta para a opacidade ao permitir que as emendas de comissão não tenham a identificação do parlamentar que apadrinhou a iniciativa.
Normas aprovadas pelo Congresso mantêm uma porta aberta para a opacidade na execução de emendas
Impressiona a resistência tenaz de deputados federais e senadores para manter o manejo de recursos públicos sem a devida limpidez de informações. É uma insistência que claramente afronta princípios constitucionais, como os da publicidade e da moralidade. O texto apresentado e votado de afogadilho teve ampla adesão, do PT ao PL. Passou com a oposição apenas de Psol e Novo.
O conteúdo aprovado permite que, nas emendas de comissão, deputados e senadores façam indicações por meio dos líderes de suas bancadas, sem que o proponente seja identificado. Trata-se de uma prática que parece desafiar a lógica do proveito político das emendas.
Até o advento do chamado orçamento secreto, tornado inconstitucional pelo STF, parlamentares faziam questão de demonstrar aos eleitores que estavam destinando emendas para as suas bases. Surgiu então a estranha moda de os legisladores, sob a sombra da falta da identificação de quem patrocinou a iniciativa, enviarem recursos para cidades de Estados que não são os seus. Ou seja, sem o retorno eleitoral da remessa. Soube-se depois da proliferação de corretores de emendas, intermediários com trânsito nas duas casas que “captam” as verbas a serem transferidas a municípios e instituições e ficam com um percentual do dinheiro, depois dividido entre outros participantes da negociação. No final de fevereiro, Dino informou que, no STF, existiam mais de 80 inquéritos abertos para investigar irregularidades envolvendo emendas.
Quando o acordo foi chancelado pelo STF, a expectativa criada foi a de que não pairariam mais dúvidas sobre a paternidade das emendas, as informações seriam disponibilizadas no Portal da Transparência e a alocação teria regras mais rígidas para evitar o desperdício e o desvio de dinheiro público. Nota-se que, outra vez, falou mais alto o interesse por dificultar o acesso a informações básicas, por motivos nada republicanos. Nem os inquéritos no STF ou as operações da PF deflagradas no âmbito de investigações que apuram malfeitos parecem desencorajar o Congresso, que neste ano deve exorbitantes R$ 50 bilhões para pulverizar em emendas.
Relator de ações que questionam a falta de transparência, Dino chegou a bloquear repasses até que novas regras fossem criadas para que cidadãos, entidades da sociedade civil e órgãos de controle acompanhassem melhor a execução das emendas. Espera-se, agora, uma posição do STF. A Corte foi ludibriada ou participou de um jogo de cena.