Os extremos do clima não são uma abstração para os gaúchos. Os anos recentes foram marcados por estiagens fortes e recorrentes, ondas de calor como a desta semana e chuvaradas que causaram enxurradas e enchentes históricas. São fenômenos que afetam a economia, destroem a infraestrutura e o patrimônio de famílias, causam mortes e deixam sequelas emocionais.
Não sobra alternativa a não ser se planejar para um futuro em que acontecimentos do gênero tendem a ser mais violentos e frequentes. Torna-se cada vez mais vital a produção de conhecimento, como a que vai ser gerada pela Expedição Internacional de Circum-navegação Costeira Antártica (ICCE), que reuniu 57 pesquisadores de sete países a bordo do navio russo Akademik Tryoshnikov e durante 70 dias percorreu 29 mil quilômetros na costa do continente gelado.
O RS, que passou por uma tragédia climática arrasadora, tem razões de sobra para não negligenciar as advertências
A missão, sob liderança brasileira e coordenada pelo professor Jefferson Cardia Simões, do Centro Polar e Climático (CPC) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), retornou na última sexta-feira. Uma das principais tarefas foi coletar material para estudos que analisarão as mudanças climáticas ocasionadas pelo aquecimento dos oceanos e o derretimento das geleiras da Antártica. As amostras biológicas, físicas e químicas recolhidas serão examinadas por diversos laboratórios no Brasil e em outros países. Córregos de degelo, campos de musgo, presença de microplásticos e de resíduos de queimadas foram alguns dos sinais perturbadores encontrados pelos pesquisadores.
O Rio Grande do Sul, que há menos de um ano passou por uma tragédia climática arrasadora, tem razões de sobra para não negligenciar as advertências. Conforme o pesquisador e climatologista Francisco Eliseu Aquino, participante da expedição, a frequência de ciclones extratropicais na costa do Estado deve aumentar. Em uma previsão inquietante, mas que não pode ser considerada alarmista, antevê uma nova enchente como a de maio de 2024 em até 30 anos. O aumento do nível dos oceanos, ainda que em um prazo bem mais largo, tem o potencial de redesenhar a planície costeira gaúcha, onde também está a Capital. Há outras preocupações, como a produção de alimentos em uma era de maior instabilidade climática.
Ter condições de estar mais bem preparado para eventos extremos tem como ponto de partida dispor de informações e pesquisas que ajudem a traçar as tendências para as próximas décadas. A ciência tem um papel fundamental para alertar, conscientizar e propor alternativas que possam moderar os problemas que a humanidade deve enfrentar de forma mais dramática ainda neste século.
Junto a iniciativas de adaptação, com construção de infraestrutura mais resistente, aposta em irrigação e melhor planejamento das cidades, é preciso avançar na mitigação, com a transição energética para fontes renováveis, o combate a desmatamentos e queimadas, a agricultura de baixo carbono, o reexame de hábitos de consumo e a coleta e destinação correta de resíduos urbanos, entre outras ações. Os alertas soam a todo instante. Resta saber se governos e sociedades despertarão para a emergência climática com políticas e atitudes efetivas ou optarão por legar um planeta mais hostil para as próximas gerações.