Seja uma proposta com intenções reais, uma ideia vaga ou um blefe, merece firme rejeição a manifestação do presidente norte-americano, Donald Trump, sobre a possibilidade de os Estados Unidos assumirem permanentemente a Faixa de Gaza, devastada após o conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas. A hipótese sugerida por Trump implicaria em violações claras de leis internacionais, pela tomada de um território que não lhe pertence, pela remoção forçada de cerca de 2 milhões de pessoas e por ser um plano que, ao fim, significaria uma limpeza étnica.
A sugestão de Trump perturba por múltiplos motivos, desde a inviabilidade do plano à luz da razão até a frieza como foi tratado
A sugestão de Trump perturba por múltiplos motivos, desde a inviabilidade do plano à luz da razão até a frieza como foi tratado, mal disfarçado de gesto humanitário. A proposição de que Jordânia e Egito recebam os palestinos removidos de Gaza, além dos desafios de realocação em condições mínimas de dignidade de um contingente enorme de pessoas, elevaria o risco de instabilidade interna nos dois países, prejudicaria a reaproximação de Israel com os vizinhos e, por consequência, dificultaria a busca de uma paz duradoura no Oriente Médio.
Também choca que Trump trate a "limpeza" e a ocupação da Faixa de Gaza como se fosse uma oportunidade de negócios qualquer na área imobiliária. A expulsão à força dos moradores da região, possivelmente com o uso de tropas, na mente do presidente norte-americano permitiria reerguer o território e torná-lo "a Riviera do Oriente Médio", uma referência às costas mediterrâneas da França e da Itália e à possibilidade de construções de luxo e promoção do turismo. Sem ser muito claro, Trump referiu o plano de "limpar" Gaza há cerca de 10 dias e, na terça-feira, explanou mais sobre a ideia enquanto recebia na Casa Branca o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que, como primeira reação, pareceu surpreso com a fala do anfitrião.
A confusão criada por Trump carrega ainda o risco de minar o acordo de cessar-fogo firmado em janeiro, que enfim deu início ao processo de libertação de reféns sequestrados no ataque terrorista de 7 de outubro de 2023, em troca da soltura de prisioneiros palestinos e retirada das tropas israelenses, além de discussões sobre a reconstrução do enclave palestino.
A Faixa de Gaza é considerada pela comunidade internacional como parte de um futuro Estado palestino. É direito da população local permanecer no seu território e, em um dia que idealmente não tardaria, organizar um governo legitimamente estabelecido, mas livre de terroristas como os do Hamas, contrários à paz com Israel e que não hesitam em sacrificar o próprio povo em nome de seus interesses políticos.
O reerguimento da Faixa de Gaza, pelas mãos dos próprios palestinos, deve ter o apoio internacional, em especial dos países árabes em melhores condições financeiras, além de nações ocidentais, como os Estados Unidos. Junto a esse esforço devem transcorrer negociações diplomáticas para restabelecer as relações entre Israel e vizinhos do Oriente Médio e o grande passo que deve vir a seguir: a estabilização definitiva da região, com a solução de dois Estados e a coexistência harmônica entre israelenses e palestinos.