O episódio dos brasileiros deportados dos Estados Unidos algemados, com os pés acorrentados e vítimas de outros maus-tratos deve ser o primeiro teste de estresse na relação entre os governos Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump. É prerrogativa norte-americana mandar de volta imigrantes ilegais e ter precauções de segurança nos voos, mas as imagens divulgadas da chegada do grupo a Manaus (AM) na noite de sexta-feira e os relatos de ameaças e agressões indicam que, de fato, cidadãos brasileiros, ao que se sabe nenhum deles criminoso, foram submetidos a situações degradantes. Não deve ser aceita a repetição de humilhações semelhantes.
Dada a distância ideológica entre Lula e Trump, o mais adequado é que as negociações se limitem à diplomacia profissional
É correto o governo reivindicar tratamento digno e respeito a direitos humanos básicos e até cobrar uma explicação, como diz que fará o Itamaraty, conforme nota publicada no domingo. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, a forma como os brasileiros foram transportados, com “uso indiscriminado de algemas e correntes” viola um acordo firmado entre os dois países em 2018. Há informações de que, também na gestão Joe Biden, circunstâncias parecidas se repetiram. Também não se conhecem os termos do acordo que o Itamaraty diz existir. Mas mesmo que o uso de algemas ao longo do voo em alguns casos possa ser procedimento-padrão, por certo agredir fisicamente e manter o interior da aeronave sem ar condicionado em longos períodos no solo, levando até mulheres e crianças a passarem mal, não faz parte de nenhum tratado. Tampouco é praxe desembarque com mãos e pernas presas.
O Brasil, de qualquer forma, precisará de extrema habilidade para buscar uma solução. O país, até agora, estava fora da linha de tiro da metralhadora giratória de ameaças e bravatas de Trump. Não haverá ganho algum se a crise escalar. Dada a distância ideológica entre Lula e Trump, o mais adequado é que as negociações se limitem à diplomacia profissional, canal em que é possível manter um diálogo produtivo e sem arroubos.
O tema precisa ser tratado com firmeza, o mais inteligente é trabalhar com discrição. Bate-boca público e falatório em rede social servem para agitar as massas de apoiadores, mas colocam em risco um desfecho adequado, que resulte em respeito aos direitos dos brasileiros deportados. O melhor exemplo do quanto é contraproducente ser estridente veio da Colômbia, que no fim de semana se negou a receber voos. O presidente de esquerda Gustavo Petro quis em um primeiro momento peitar Trump com uma manifestação forte em uma rede social, sofreu ameaça de sanções, disse que revidaria e, ao fim, teve de ceder. O tema continuará a ser tratado pela diplomacia.
Deportar em massa imigrantes ilegais foi uma das promessas de campanha de Trump, que agora começa a cumpri-la. A maior parte é de latino-americanos. O tema será tratado em uma reunião Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), na quinta-feira. O grande desafio será encontrar uma forma de reivindicar condições dignas e evitar retaliações. Ao menos neste início de governo, Trump tem se esmerado em fazer demonstrações de força, em especial contra países menores e aliados históricos. Os grandes rivais dos EUA, China e Rússia, por enquanto gozam de tratamento condescendente.