A economia interna aquecida ao longo do ano fez o país encerrar 2024 com a geração de 1,69 milhão de empregos com carteira assinada, conforme os dados do Novo Caged, divulgados ontem. Foi um número 16% acima de 2023 e o quarto exercício consecutivo com mais contratações do que demissões, após a onda de dispensas causadas pela pandemia em 2020. A despeito do abalo da enchente histórica, o Rio Grande do Sul, da mesma forma, teve saldo positivo de 63,5 mil vagas. Um feito, levando-se em consideração as preocupações com a extensão dos reflexos da tragédia climática.
A saída para uma alta de 3,5% no PIB não gerar tantas inquietações é elevar o potencial de avanço da economia
A robustez do mercado do trabalho brasileiro deveria ser merecedora apenas de celebrações. Significa, afinal, mais gente empregada e com renda, gerando demanda adicional na indústria, no comércio e nos serviços. O paradoxo, no entanto, está nas percepções de que o ciclo não é tão virtuoso assim. A razão para a desconfiança está nos alertas de que o Brasil vem crescendo além de sua capacidade. Ou seja, de uma forma que gera inflação e cria efeitos colaterais. O IPCA, de fato, estourou a meta e encerrou o ano em 4,83%, e estima-se que o PIB avance 3,5%, ante projeções iniciais de apenas 1,5%.
A força surpreendente da economia doméstica, bem acima das estimativas de um ano atrás, é um dos fatores que levaram o Banco Central (BC) a iniciar uma nova sequência de alta de juro. Na quarta-feira, o BC voltou a elevar a Selic em mais um ponto percentual, para extorsivos 13,25% ao ano, com a sinalização de o choque monetário continuar em março, com uma alta da mesma magnitude. Capital mais caro tende a esfriar a economia e, por consequência, a inflação.
Cria-se assim a aparente contradição de que notícias boas como alta do emprego e da atividade são mal recebidas e frustrações causam alívio. A reação aos números do Caged de dezembro, isolados, é ilustrativa. O último mês do ano, por fatores sazonais, como a dispensa de trabalhadores temporários, costuma ter mais demissões do que admissões. O saldo negativo foi de 535 mil postos, mas a expectativa era de 400 mil. O resultado menor, por talvez ser um sinal de desaceleração da economia, com reflexos benignos na inflação e no aperto monetário, ajudou o Ibovespa a subir nesta quinta-feira quase 3% e influenciou na queda dos juros futuros.
Surpresas positivas que estressam e decepções na atividade e no mercado de trabalho que resultam em melhora de indicadores financeiros não são exclusividade do Brasil, mas aqui parece ser uma relação mais exacerbada. A saída para uma alta de 3,5% no PIB não gerar tantas inquietações é elevar o potencial de avanço da economia. Ou seja, criar condições para que um crescimento da atividade neste patamar, ou mesmo maior, não signifique pressão inflacionária. Para isso é necessário equilíbrio fiscal, fator que ajuda a manter juros em níveis mais civilizados e beneficia investimentos produtivos, que ampliam a capacidade de oferta da economia, como novas e mais modernas fábricas. Passa também por reformas que ataquem o custo Brasil e elevem a produtividade da economia e por um melhor ensino, para formar capital humano mais qualificado. Assim o país poderia crescer mais e de forma sustentável, sem os reiterados voos de galinha sucedidos por crises e desacelerações bruscas.