Pronto! Ufa! Cof, cof!
Passou, passamos, como um passarinho entre as montanhas.
Mas, agora que a passagem está garantida para as oitavas de final da Libertadores, este colunista dedicado a temas da América Latina deixa sua paixão pelo Grêmio um pouco de lado e vai ao assunto de forma ampla: não é completamente injusto e desumano jogar em altitudes como a de Quito?
Minha opinião: é, sim, injusto e desumano.
Quem desembarca numa cidade de altitude elevada costuma sentir imediatamente o impacto do ar rarefeito no organismo.
Ora, imagina um jogador de futebol!!!
Certa vez, o ex-governador Tarso Genro desmaiou em uma solenidade realizada em La Paz, na Bolívia. Ele era ministro da Justiça Passou mal justamente durante um discurso do presidente boliviano Evo Morales...
Curiosidade: Evo, o presidente que costuma bravatear absurdos e proferir pérolas como a de que o consumo de frangos provoca calvície e homossexualidade, é, claro, defensor da altitude. Já fez até campanha aberta para evitar um veto da Fifa ao futebol nas cidades mais altas do planeta.
Claro, os times bolivianos se beneficiam desse "doping geográfico", como equatorianos, mexicanos etc.
Mas, certa vez, a revista Veja levantou essa questão.
Fez um perguntório de 10 questões. Eu as recupero e reabro a discussão.
1) Que diferença faz jogar na altitude?
Quanto maior é a altitude, menor é a pressão atmosférica e mais rarefeito é o ar. Também há uma redução na temperatura, que cai em média 6,5 graus a cada mil metros de altura. Há um aumento na intensidade dos raios solares (que, aliás, podem provocar graves queimaduras). Com o ar rarefeito, somado ao incômodo provocado pelas condições climáticas mais duras, o funcionamento do organismo muda, e pode haver desconfortos.
2) O que ocorre com alguém que sobe a uma altura dessas?
Quem vive em cidades ao nível do mar ou em localidades relativamente baixas não está acostumado às condições atmosféricas das grandes altitudes – portanto, o organismo sente o impacto da mudança e precisa de tempo para se adaptar. Foi o que o Grêmio fez no jogo contra a LDU. A frequência respiratória aumenta, a frequência cardíaca se acelera e a concentração de glóbulos vermelhos, que transportam o oxigênio para os músculos, aumenta no sangue. Nesse período de adaptação, os sintomas mais comuns são respiração curta, dores de cabeça, náusea, vômitos, tontura, insônia (em dois terços dos casos) e perda de apetite (em um terço das pessoas).
3) Todas as pessoas sentem os sintomas negativos da altitude maior?
Não. Mas isso não chega a ser uma boa notícia para um time de futebol que quer se planejar. É impossível prever se alguém sofrerá com os sintomas ou terá uma adaptação tranqüila. Calcula-se que os sintomas negativos sejam sentidos por cerca de 15% das pessoas a 2 mil metros de altura. O índice sobe para 60% quando se chega a 4 mil metros. A mais de 5 mil, todas as pessoas sentem algum efeito negativo. Qualquer pessoa está sujeita ao problema – fatores como idade ou sexo não são determinantes. A característica que mais pesa na definição de quem sofre ou não com os efeitos da altitude é a condição física. Geralmente, quem está bem condicionado lida melhor com a situação. O bom preparo e o fôlego em dia, porém, não garantem que uma pessoa ficará livre dos sintomas.
4) Como amenizar os efeitos da altitude?
O melhor é subir aos poucos, ou seja, viajar a alturas sucessivamente maiores e dar tempo suficiente para a adaptação. Quanto mais rápida é a chegada e mais alto é o destino, piores são os sintomas. Uma pessoa que vive ao nível do mar e resolve visitar La Paz, a mais de 3,6 mil metros, pode evitar problemas gastando alguns dias numa altura intermediária, a pouco mais de 2 mil metros. Quem não tem tempo para fazer a adaptação deve tentar chegar ao destino com uma boa condição física.
5) Que tipo de substância é possível ingerir para evitar os problemas?
Alguns médicos prescrevem medicamentos para combater os efeitos da altitude. O Diamox (acetazolamida), que ajuda a metabolizar mais oxigênio, é um – o consumo deve começar 24 horas antes da chegada ao destino, duas ou três vezes ao dia. Outras opções são a dexametasona, um esteróide, e o gingko biloba, um fitoterápico. O uso dos remédios, contudo, é polêmico. Muitos médicos não gostam de receitar essas substâncias. Soluções mais seguras são a aspirina, a cafeína e, nos países andinos, o chá de coca – todos são capazes de amenizar os efeitos da altitude. Problema evidente nisso tudo: dependendo o que o jogador consumir, pode ser identificado como doping.
6) Em que cidades e regiões os sintomas são sentidos com mais intensidade?
Todas as que são localizadas em grandes cadeias de montanhas ou em altiplanos. Há localidades muito altas na Europa, na América do Norte e na Ásia, em especial Nepal e Tibete. Na América do Sul, as mais altas cidades estão na Bolívia, no Peru, no Equador e na Colômbia. O país de Evo Morales tem, além de La Paz, as cidades de Oruro, El Alto e Potosí – essa última, fonte de prata e exploração na época colonial, é conhecida também como a cidade mais alta do planeta, a mais de 4,1 mil metros. A peruana Cusco (3,4 mil metros), a equatoriana Quito (2,8 mil etros) e a colombiana Bogotá (2,650 metros) são outras cidades muito altas nos países vizinhos. O Grêmio jogou (e ganhou!!!) em Quito na noite de ontem.
7) Há algum risco de vida para quem viaja a altitudes maiores?
Sim. Nos casos de sintomas mais graves, pode surgir até um edema pulmonar (fluidos nos pulmões) ou edema cerebral (inchaço do cérebro). Se o visitante de uma cidade muito alta não cometeu excessos (na alimentação, no consumo de bebidas alcoólicas e no excesso de atividade física) mas ainda assim sofreu sintomas fortes demais, recomenda-se procurar um médico. Os sintomas devem ser levados a sério: se não desaparecerem com o tempo, precisam ser examinados.
8) Quem mora na altitude elevada pode passar mal ao descer para o nível do mar?
Algumas pessoas nessa situação reclamam de algum desconforto, de perda de apetite e de dores de cabeça por causa da diferença nas condições climáticas. No geral, porém, os moradores de cidades muito altas não enfrentam dificuldades na descida. No caso dos atletas, isso é até usado em favor de um melhor desempenho. Vejam só... Quem treina na altitude rende mais ao nível do mar. Como o ar rarefeito ensina o organismo a absorver e a processar melhor o oxigênio, o rendimento melhora. Que coisa!
9) A altitude pode ser um elemento decisivo em uma disputa esportiva?
Os estudos dos efeitos da altitude sobre a performance física começaram a ser realizados depois dos Jogos Olímpicos de 1968. A competição realizada na Cidade do México, a 2,4 mil metros, registrou nas corridas de média e longa distância o triunfo de atletas de países montanhosos, como Tunísia, Etiópia e Quênia, enquanto australianos e americanos, os favoritos, mal conseguiam alcançar a linha de chegada. Pesquisas confirmaram que o treinamento em altitude elevada produzia um ganho de desempenho em provas de resistência, e alguns países, como os EUA, começaram a levar seus atletas para se condicionar em cidades montanhosas.
10) Por que a Fifa já cogitou proibir partidas oficiais de futebol nas alturas?
Por um motivo bem curioso, mas que faz sentido, pelo que vemos aqui no Brasil. O calendário intenso do futebol não permite que times e seleções tenham tempo suficiente para a adaptação à altitude. As equipes das outras regiões reclamam do deseqüilíbrio provocado por esse fator nas disputas. O Equador, por exemplo, foi às duas últimas Copas do Mundo graças aos bons resultados obtidos em Quito. Na Libertadores, diversos clubes brasileiros sofrem nos duelos com equipes muito inferiores tecnicamente – o Grêmio ganhou da LDU por 4 a 0 aqui na Arena e conseguiu ontem um suado 3 a 2 em Quito. Mas, quando se falou em veto a jogos na altitude, houve uma forte reação dos países andinos, inclusive com promessa de boicote às competições internacionais.