É bastante provável que a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado e outros crimes será aceita pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O ex-presidente deve ser julgado ainda neste ano pela Corte. Confirmando-se a hipótese, será um processo fadado a galvanizar a atenção dos brasileiros, com ampla reverberação também internacional. Figuraria no banco dos réus, afinal, um ex-mandatário da República que mantém a devoção de parcela significativa dos brasileiros e a repulsa de outra parte. Estaria ainda em análise se foi tentada a mais grave agressão contra uma democracia.
Decisão extraída de todo o colegiado teria maior aceitabilidade perante a opinião pública
Sobram motivos para concluir que será um acontecimento histórico e de enorme repercussão, junto ao escrutínio da conduta dos demais denunciados que vierem a se tornar réus, alguns de alta patente militar. Da mesma forma, não faltam razões para se reforçar a importância de o processo penal ser conduzido sem que se arrede um milímetro das balizas da Constituição e com totais garantias de prerrogativas como o direito ao contraditório e à ampla defesa. Dada a sensibilidade do caso, é preferível inclusive que sejam feitas concessões não obrigatórias para estreitar a margem de versões que coloquem suspeição no processo.
Um destes flancos abertos é a indicação de que o ministro do STF Alexandre de Moraes pretende manter o eventual julgamento na Primeira Turma da Corte, composta por ele e por Flávio Dino, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux. O mais aconselhável seria levar o caso para o plenário da Corte. Uma decisão extraída de todo o colegiado teria maior aceitabilidade perante o conjunto da opinião pública. Os 11 ministros poderiam votar e expor suas razões. Manifestariam-se os membros da Segunda Turma Edson Fachin, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Nunes Marques e André Mendonça. Os dois últimos foram indicados por Bolsonaro para o STF.
Noticia-se que há ministros descontentes com a postura de Moraes. Entre outras alegações, lembram que a Corte estará analisando as responsabilidades de um ex-presidente da República. Trata-se de um caso de rara retumbância, de peso político e que ficará na memória do país. Nada mais adequado, portanto, do que dividir a tarefa com todos os membros do STF, conferindo maior legitimidade à decisão.
Não se deve evitar debates e divergências públicas que naturalmente surgirão. Caberá a quem acompanhar as diferentes fundamentações fazer o juízo sobre os argumentos expostos. Talvez nada faça os apoiadores mais empedernidos de cada um dos lados da polarização mudarem a sua visão. Ainda assim, não são poucos os brasileiros que se rendem à razão e aos fatos.
O regimento da Corte foi alterado em 2023. Processos penais podem ter desfecho nas turmas. Mas Moraes e a própria Primeira Turma podem levar o julgamento para o plenário. Os réus envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro foram julgados pelo plenário. Uma fatia da sociedade nutre desconfiança pelo STF ou por parte de seus ministros. Há motivos descabidos, mas outros são bastante razoáveis, como a concentração excessiva de poder em Moraes, a verborragia de outros membros e recentes decisões relacionadas à Lava-Jato. Levar a decisão para os 11 ministros, portanto, faria bem ao próprio STF como instituição e seria um argumento a mais para atestar que foi feita justiça, com correção e lisura.