
A partir dos 40 anos, a rima vai casando para cada 10 anos seguintes até chegar ao cabalístico número 100. São tempos novos, em que o quarentão, cinquentão, sessentão, setentão, oitentão e noventão vai oscilando entre a saudade do vigor da juventude perdida e o orgulho da sabedoria acumulada.
No caso de Ronaldo de Assis Moreira, os 40 anos chegaram numa fotografia desbotada e um tanto melancólica na qual ele se diverte, se este é o verbo, jogando bola numa prisão paraguaia com outros detentos.
Um dos maiores talentos que o futebol já produziu está rico por gerações. A questão não é essa. Idolatrado por crianças e admirado no mundo inteiro, duro é ser visto por essas pessoas com uma roupa enrolada nos braços para que não fossem percebidas as algemas.
O que virá depois é a pergunta. Há tempo de Ronaldinho amadurecer? Ele vai querer? Terá interesse? Será capaz? Algo terá mudado em sua cabeça depois de tantos constrangedores dias preso?
Gostaria de responder “sim”, mas não tenho certeza de que esta seria sua resposta para cada uma destas perguntas. Tem sido confortável para ele estar sempre alheio às coisas materiais que, por enorme comodidade para Ronaldinho, ficam por conta do irmão que virou pai.
Se financeiramente deu certo, há preços que o ex-craque tem pago em relação à sua imagem que não deveriam compensar. Acusado por crime ambiental e investigado por envolvimento em crime financeiro, passaportes retidos e manchetes nas páginas policiais muito mais do que nas esportivas, certamente esse não é o combo certo de notícias para alguém de sua relevância no futebol.
Sempre tive com Ronaldinho uma relação boa desde os tempos de repórter. Um ano depois de se afirmar no Grêmio com lances incríveis que o levaram à Seleção, ele nos recebeu em casa, na Vila Nova, a mim e ao cinegrafista Júlio César Aguiar, este sim amigo do craque. Gravamos para a RBS TV no padrão habitual: um festival de “estou muito feliz”.
Mas, fora do ar, conversamos por mais de uma hora e pude ver ali um Ronaldinho sem defesas. Falou muito que era gremista de verdade. Longe dos holofotes, o sorriso era mais aberto, a voz mudava, havia emoção e verdade no que dizia. Foi a única vez em que o vi desarmado do personagem.
Mais tarde, quando cobri in loco minha primeira Copa do Mundo, em 2002, Ronaldinho sempre foi muito gentil e me cumprimentava sempre que nos cruzávamos no hotel ou no estádio, mas ali já me pareceu evidente que nunca mais algum jornalista veria a versão mais real dele.
Quando entrou no hotel em Yokohama batendo seu pandeiro após a conquista do penta, era ainda Ronaldinho em versão original. Mas não havia entrevista na cena. Ele e os colegas desfilavam como numa Sapucaí particular e estavam felizes. De fato. Não me surpreendi nada com o sucesso estrondoso que veio depois.
Desejos
Foi surpresa, sim, e nada boa, que Ronaldinho jogasse tão pouco e estivesse fora de forma na Copa em que vestiu a camisa 10. Na Alemanha, em 2006, foi sombra de si mesmo. Embora pudesse ter jogado a Copa de 2010, já seria um craque em evidente declínio técnico e motivacional. Ainda seria campeão da Libertadores três anos depois, liderando o time do Atlético-MG.
Foi o último sopro de entusiasmo de um genial gaúcho de Porto Alegre que poderia ter sido ainda maior. Bastava querer. Não quis.
Ronaldinho passa a ter 40 anos e vai sair, claro que vai, da prisão no Paraguai em algum momento. Parabéns pelo aniversário e pela genialidade que desfilou nos gramados, craque. Quanto ao ser humano, que as pancadas da vida sirvam para evolução atrasada que o leve ao amadurecimento.
São os votos deste admirador do seu brilhante futebol, que ainda pretende ampliar a admiração para a pessoa física Ronaldo de Assis Moreira.