
No comando de uma empresa gaúcha que vê os efeitos do tarifaço de Donald Trump de dentro, o CEO da Gerdau, Gustavo Werneck, diz que a saída, neste período de instabilidade que "vai continuar assim", é focar no que as empresas têm controle. Nos Estados Unidos, detalha, as unidades de produção da siderúrgica nascida em Porto Alegre não dependem do Brasil, mas têm grande interligação com México e Canadá, que está ameaçada pelas medidas isolacionistas de Trump.
Como foram seus últimos dias, com o vaivém das tarifas?
Sinceramente, não mudou nada em relação à minha agenda. Estamos passando por um período de volatilidade e vai continuar assim. O nosso foco deve ser em coisas que temos controle, procurando tirar os melhores resultados, não só financeiros. O que aprendemos ao longo dos quase 125 anos é que o mundo é assim, os desafios estão presentes e temos de passar por eles e sair melhor do que entramos. Meus últimos dias foram de normalidade assim como vão continuar sendo os próximos.
Mas é uma normalidade de quem tem unidade produtiva nos Estados Unidos e pode ser beneficiado pelas tarifas?
Não necessariamente, até porque lá também existe muita incerteza. Nossos clientes estão preocupados, estão segurando um pouco os pedidos. Não é bem assim a percepção de que para nós seria bom. Até dentro dos Estados Unidos há muita incerteza, muita preocupação. Observamos nos últimos dias até questionamentos dentro do próprio governo Trump. No Brasil, as preocupações transcendem o que passa por lá. Temos outras preocupações e outros problemas no lado de baixo da linha do Equador também.
Qual é a interdependência dos negócios da Gerdau no Brasil e nos EUA?
A operação dos Estados Unidos é totalmente autossuficiente e independente da no Brasil. Lá, temos ligações com Canadá e México. Não só levamos aço de um país para outro, mas nossos clientes, especialmente da indústria automobilística, dependem muito dos três países. Então, o que observamos é que há queda muito grande de pedidos no setor automotivo, porque os EUA não são autossuficientes na produção de veículos. Há autopeças fabricadas no México que vão para os EUA para concluir o veículo lá. Mas temos a crença de que, em algum momento, dentro do acordo comercial entre os três países, vão se entender.
Houve cancelamentos ou só não estão entrando novos pedidos?
É na indústria automobilística que estamos enfrentando mais dificuldades agora. Cancelamento não teve, mas não está entrando pedido (de aço para o setor automotivo). Nas outras aplicações, para infraestrutura, indústria, o fluxo é normal, nosso backlog (lista de demanda) está forte. O que não podemos, neste momento, é declarar, com maior certeza, que a indústria americana vai acelerar. Há postura de mais conservadorismo, os clientes ainda tentam entender o que vai acontecer. Se os EUA conseguirem vencer temas de curto prazo, como inflação e apoio popular, temos tudo para a indústria americana voltar a crescer, um dos temas centrais da agenda da administração atual.
No Brasil, diversos segmentos estão pedindo proteção por prever que , se a China não vender aos EUA, vai buscar outros mercados, e o Brasil é alvo. Como está o pedido do setor siderúrgico para rever o sistema?
Primeiro, tem uma sutileza que, para mim, é muito importante, que é pararmos de usar a expressão "proteção" e passar a usar "defesa". "Proteção" sugere uma indústria ineficiente, que precisa de subsídios ou apoio do governo. Não precisamos disso. Completamos 124 anos de luta, de busca de competitividade. Conseguimos competir de igual para igual com qualquer produtor de aço do mundo, com qualquer indústria do mundo, desde que existam condições isonômicas. Então, o que pedimos é defesa, não proteção.
Por que a defesa é necessária?
A entrada de aço importado chinês no Brasil cresceu de 11%, como média histórica, para 25% no ano passado. E agora todos os especialistas têm dito que, provavelmente, com o fechamento do mercado americano e outros, as exportações chinesas vão buscar países em que existe nível menor de defesa comercial. Isso nos preocupa porque o aço de lá que entra no Brasil tem nível muito grande de subsídio do governo chinês. Um exemplo fácil de entender: as produtoras de aço da China compram minério de empresas como a Vale, cujo preço sabemos, e coloquem o aço no Brasil a um valor menor do que pagaram no minério. É claro o subsídio. O que estamos pedindo ao governo federal é encontrar mecanismos de defesa que voltem a promover competição de igual para igual.
Em que fase está?
Depois de longo debate com o governo federal, em junho do ano passado foi colocado um mecanismo de defesa comercial que não foi efetivo. Nos últimos 12 meses, não promoveu redução da entrada de importado. O que temos debatido com o governo federal são novos mecanismos ou endurecimento do atual para que volte a uma normalidade. O governo tem sido muito aberto, os debates estão acontecendo de maneira muito intensa. Nossa expectativa é que, até o final de maio, os novos mecanismos sejam colocados. Senão, vamos ter de tomar decisões bastante difíceis, porque não dá para tomar decisões de investimento, não dá para manter usinas operando em uma competição desleal.
Decisões bastante difíceis são hibernar novas plantas?
As plantas vão passar por uma primeira decisão de reduzirmos o investimento no Brasil. Neste momento estamos com o maior investimento da história da Gerdau, de R$ 3,5 bilhões em uma plataforma de mineração sustentável. Então, a primeira decisão é falar, em escolhas de longo prazo, que o Brasil não vai melhorar. Vamos ter de migrar recursos de investimento que colocamos no Brasil para outros países, como EUA e México. Essas são decisões mais de curto prazo. Não tem para quem vender, vamos ter de tirar capacidade. Pode passar por hibernação, pode passar por redução do número de pessoas que trabalham com a gente. É o mínimo necessário para mantermos uma equação de competitividade que nos permita sobreviver neste momento.
Ameaça a sobrevivência?
No longo prazo, sim. Conseguimos, com todo o nível de competitividade que temos, produzir aço com o custo mais baixo da nossa história e, mesmo assim, não conseguimos vender, porque entra aço chinês em situação impossível de competir. São escolhas, não a nível de governo, mas a nível de Estado, que o Brasil tem de fazer. E não falo só da indústria de aço. Temos visto debates intensos na indústria de máquinas e equipamentos, na automotiva, na de calçados.
A discussão de mecanismo de defesa ocorria em cenário pré-tarifaço. No pós, tem de ser mais robusto?
Tem de ser bastante mais robusto. Temos dado sugestões para ao governo, que tem suas limitações no que tange a legislações, acordos do Mercosul. A grande questão agora é encontrar, dentro das possibilidades atuais e da segurança jurídica, tanto por parte das empresas quanto por parte do governo, mecanismos que permitam um nível de defesa maior do que temos.
Em eventual necessidade de hibernação, já há plantas mapeadas?
Esse é um tema bastante sensível, mas sempre temos planos A, B e C para todos os cenários possíveis. Aprendemos ao longo dos últimos anos a ter um mapa de risco muito bem definido, porque não só existem temas de defesa comercial, mas o mundo está tão volátil, tão complexo que coisas inesperadas acontecem o tempo todo, e temos de estar preparados. Temos esses planos muito bem definidos, mas preferimos mantê-los em sigilo.
Com o juro na estratosfera, como os clientes têm se comportado no Brasil?
Incrivelmente, é a parte boa da história. O nível de demanda no mercado brasileiro continua sólido. Sempre temos expectativa que o mercado possa crescer mais aceleradamente, o que não ocorreu nos últimos 30 anos no Brasil, mas o nível de demanda atual é supersuficiente para poder manter nossas usinas operando. Não temos problema de demanda. A questão é que essa demanda é suprida pelo importado. O segmento de construção civil continua sólido, pode haver desaceleração com essa taxa de juro, são coisas mais de médio prazo. A construção civil continua muito resiliente. O Brasil não tem um problema de demanda. Se tivesse, seria um problema dobrado.
Do ponto de vista macroeconômico, é boa notícia ou má notícia, já que o mercado torce por sinais de desaceleração?
A economia real pode se descolar um pouco das projeções. Temos visto que está cada vez mais difícil de acertar. Somos uma empresa que está muito conectada à economia real. Preferimos rodar no dia a dia, nas ruas, nos clientes, entender o que de fato se passa do que ficar no escritório lendo boletins. Gostamos de entender a economia real, que continua sólida. O dia a dia do Brasil, no curto prazo, talvez seja menos complexo do que alguns falam, mas de fato uma taxa de juro mais alta pode provocar desaceleração futura em segmentos que estão sólidos hoje. Cada problema no seu tempo, o do momento é trabalhar por defesa comercial.
A Gerdau se engajou no processo de reconstrução do RS. Que balanço faz, e o que falta fazer no Estado?
Se puder resumir em uma única palavra nosso sentimento, passado já quase um ano da tragédia, diria que é orgulho. Desde o primeiro dia, colocamos não só recursos financeiros, mas mobilização de todos como poucas vezes vimos na história da Gerdau. Tivemos a possibilidade de estar tão conectado ao dia a dia do Estado, na reforma de escolas, de todas as residências dos nossos colaboradores que tiveram dano. E temos vontade de continuar fazendo mais. Não podemos esquecer que eventos como esse do ano passado podem voltar a acontecer. Uma contribuição importante lado é entender como podemos ajudar para que, em caso de novos eventos, o impacto seja menor.
A Gerdau tem mudanças de especificações de aço para dar maior resiliência a construções?
Sim, não só em termos de aços para construção civil, para infraestrutura, mas também para o mercado automobilístico. Os avanços na produção de aços cada vez mais leves, mais resistentes, são uma realidade. Com a modernização da indústria automotiva, com veículos híbridos e elétricos, é preciso reduzir o peso do automóvel. Temos colocado esforços de tecnologia, de pesquisa e desenvolvimento, de novos equipamentos. Temos uma usina em Pindamonhangaba (SP), e uma em Charqueadas que são referências mundiais na capacidade de construir, de produzir aços conectados ao presente da indústria automotiva mundial.
Como está a demanda de aços mais leves?
Crescente. Tivemos muita preparação. Como nossa indústria é de longo prazo, temos de estar sempre investindo na frente para atender demandas que vão acontecer no futuro. Investimos muito em Charqueadas e em Pindamonhangaba para ter processos produtivos e tecnologias que atendam a essa necessidade. Qualquer demanda de novos veículos elétricos, híbridos, que necessitem aços do futuro, estamos muito bem preparados para atender.