
Italiano radicado no Brasil, Andrea Iorio é especialista em inteligência artificial e futuro do trabalho. Reconhece o "medo" embutido no processo de inovação e afirma que, no curtíssimo prazo, não haverá grandes mudanças no mercado. Para Iorio, que é ex-Tinder e L’Oréal, os profissionais que não serão substituídos são aqueles que desenvolverem a "repercepção", forma de pensamento crítico em relação ao próprio emprego. O especialista vai palestrar nesta quarta-feira (12), a convite do Sistema Ocergs, na Casa do Cooperativismo na Expodireto 2025, em Não-Me-Toque.
Quanto a inteligência artificial pode impactar a humanidade?
O medo é justificado. Crescemos com filmes descrevendo a inteligência artificial como algo que se tornaria contra a humanidade. É uma tecnologia muito transformadora. Temos de entender que existe a possibilidade de não a utilizarmos da melhor forma. O grande sonho da indústria é chegar à inteligência artificial geral, que replica todos os processos mentais dos seres humanos. Entendo que vamos chegar perto, porque estamos conseguindo coletar cada vez mais informações. E quando a inteligência artificial tem dados, consegue performar melhor do que os seres humanos. Vamos conseguir praticamente replicar a inteligência humana e consequentemente, automatizar processos, tomar decisões, gerar conteúdo de forma mais eficiente, produtiva e escalável. Mas a chave são os dados. Se não tivermos dados, algumas áreas não serão substituídas. Se os dados são forem de boa qualidade, se forem enviesados, teremos problemas.
Como você encara o paralelo entre a inteligência artificial ser algo perigoso e vantajoso ao mesmo tempo?
O lado perigoso é múltiplo, mas se tivéssemos de resumir, é o mau uso da inteligência artificial, que pode ocorrer por treinamento com dados enviesados, falta de conhecimento de parâmetros e problemas com alinhamento de objetivos. Se não tiver perspectiva clara, não sabemos onde a inteligência artificial pode chegar. Tenho receios vinculados aos três pontos, mas os receios não devem nos travar. Se não experimentarmos, com cuidado e ajustes necessários, não vamos conseguir aproveitar a tecnologia ao melhor.
A inteligência artificial ainda está vinculada a tarefas simples?
Hoje, a inteligência artificial ainda é muito especializada. As tarefas que a inteligência artificial sabe desempenhar melhor são exatamente as tarefas que os seres humanos têm mais familiaridade. Quanto mais familiaridade, mais repetição e mais dados. Fica mais fácil de treinar um algoritmo de inteligência artificial. A próxima grande fase da inteligência artificial, dos agentes autônomos, já começa a ser diferente. Em vez de focar nos pequenos processos, os agentes podem tomar decisões autônomas baseadas no ambiente e em um objetivo.
Substituindo o humano?
Chega próximo da substituição de determinadas tarefas. É por isso que devemos olhar para o nosso trabalho e mapear quais são as tarefas que fazemos de forma mais repetitiva e que a inteligência artificial já faz bem. Para evitar a substituição, é preciso saber quais tarefas que podem ser terceirizadas para inteligência artificial. Óbvio que tem algumas profissões que tem mais risco de serem substituídas, mas o grande ponto é que é uma escolha dos seres humanos, ainda que não seja fácil.
O que a inteligência artificial pode mudar neste ano no mercado de trabalho?
No curtíssimo prazo, vamos notar algumas mudanças no mercado mais vinculadas a trabalhos em alta demanda do que à substituição. As cinco profissões mais em alta estão relacionadas à cibersegurança, dados e engenharia de inteligência artificial. Neste ano e no próximo ano, ainda não vamos ver enormes inovações no mercado de inteligência artificial. Os modelos chegaram em um momento de melhorias marginalmente mais baixas. Praticamente não tem mais novo dado para poder treinar a inteligência artificial. Não necessariamente vamos ver enormes mudanças no curtíssimo prazo. Podemos ver mudanças no uso, de agentes em vez de aplicação de forma mais reativa.
Como se preparar para um mercado mais incerto e imprevisível?
Uma competência que temos de ter, independente do setor, é a do pensamento crítico. A repercepção é a habilidade que profissionais estão tendo de não só acumular conhecimento. No mundo onde a inteligência artificial já sabe mais do que a gente, em qualquer profissão, a verdadeira habilidade não é tanto saber, porque o acesso ao conhecimento é democratizado. O que vai nos diferenciar é a forma como pensamos criticamente sobre o nosso trabalho. Os profissionais precisam desenvolver a repercepção, olhar não só ao que temos de conhecimento interno, mas também às mudanças de fora.
A repercepção é onde o humano ganha da tecnologia?
Sim, porque o ser humano é o único que consegue ir além do conhecimento que detém, é o mundo da imaginação. A inteligência artificial só pode ir até onde o treinamento de dados leva. Até é criativa, mas carece de imaginação, de ideias totalmente ilógicas, fora da caixa. A habilidade de sentir emoções, de ter empatia é também o que nos torna humanos. Não é sobre reconhecer as emoções dos outros. Estudos já demonstram que inteligência artificial é até melhor. Só que a tecnologia não sente nada de volta.
A DeepSeek marca o início de uma corrida no mercado de inteligência artificial?
A minha visão é que a expansão vai ser um pouco mais devagar do que tem sido, justamente por falta de novos dados. Os modelos estão convergindo mais em termos de performance. Não vamos ver enormes transformações no curtíssimo prazo. A grande briga vai estar no que a DeepSeek trouxe a tona, que é a questão do baixo custo. A corrida não é tanto por melhora na performance do modelo. É mais por otimização por dentro das empresas.
*Colaborou João Pedro Cecchini