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Medidas do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, incluem desde a saída do Acordo de Paris até o afrouxamento de regras ambientais, o que assusta o presidente do conselho do Capitalismo Consciente Brasil, Hugo Bethlem. Empresas americanas se anteciparam e, ainda antes da posse, revisaram políticas ESG (governança corporativa, social e ambiental). O executivo, no entanto, não vê retrocesso global, mas revisão de rota. Afirma ser uma oportunidade para o Brasil usar "esse vácuo que os EUA vão deixar e assumir o papel de país da sustentabilidade".
Trump e grandes empresas americanas estão deixando de lado compromissos ambientais e de diversidade. Qual é o impacto na agenda ESG?
É preciso separar o governo americano das empresas americanas. Os EUA ainda têm uma agenda ESG bastante positiva. Não vamos falar de política nem de presidente, mas o radicalismo não funciona. O que estamos vivendo é uma mudança de extremo, estamos indo para o outro lado. Depois, vai ocorrer um momento de arrumação, equilíbrio. Quando se lança algo, todo mundo quer adotar, depois a tendência se acomoda. É só lembrar do metaverso. Teve uma corrida, as empresas perceberam que não era tudo aquilo e caíram na real. As empresas americanas foram ao extremo ao prometer descarbonização com agressividade e velocidade que comprometeria resultados operacionais. Tentaram encurtar o processo de forma não palpável. Agora, as empresas americanas entraram na onda inversa, até para não serem penalizadas pelo governo porque estão fazendo iniciativas voluntárias e afirmativas. Mas Google, Microsoft e Apple já falaram que a diversidade continua. Talvez aquelas centrais de diversidade e inclusão deixem de existir. Vamos ser realistas, muitas dessas equipes se tornaram radicais no outro sentido. Estavam criando nichos em vez de criar inclusão.
Como a mudança chega ao Brasil?
O McDonald's anunciou que vai reverter algumas de suas práticas voltadas para a diversidade. Mas a Arcos Dourados, que representa o McDonald's na América Latina, disse que o seu programa de diversidade continua firme. Natura, Boticário e Ambev também fizeram sua afirmativa. Então, é algo mais localizado nos EUA. Há preocupação de as decisões do governo americano e das empresas americanas refletirem nas empresas brasileiras, principalmente nas filiais. Mas não estamos vendo muito reflexo por enquanto, porque as ações são localizadas. Ninguém está retrocedendo. O que estão fazendo é correção de intensidade e rumo. E o Brasil tem a oportunidade de pegar esse vácuo que os EUA vão deixar para assumir o papel de país da sustentabilidade.
Ao assumir a liderança da agenda, o Brasil não corre o risco de ficar na mira de Trump?
O (presidente da Colômbia, Gustavo) Petro peitou o Trump. O Brasil abraçar a agenda ambiental e torná-la a sua propriedade não só não vai afetar os Estados Unidos, como também o governo americano não vai dar a mínima. Não é uma peitada. É o Brasil olhando para dentro e desenvolvendo novas tecnologias. Quando os EUA ameaçam impor tarifas, quem vai pagar é o povo americano. Quem vai viver com a inflação descontrolada é o povo americano. E isso vai ter vida curta, assim como as deportações. É um processo de arrumação. Não vejo retrocesso, só rugido e mordidas que passam raspando. Trump saiu da OMS (Organização Mundial da Saúde), só que as vacinas foram desenvolvidas no governo dele, durante a pandemia. Há muito contrassenso nesse processo. É o momento de respirar fundo e tomar as atitudes com a cabeça no lugar, sem emoções.
Qual o impacto da saída de grandes bancos americanos de alianças climáticas?
Não conheço um banco efetivamente sustentável. O banco é bom para exigir que o tomador de empréstimo seja sustentável. Mas o banco em si não é muito. A saída dos bancos assusta, indiscutivelmente, algumas respingam, mas de forma estrutural, especialmente no Brasil, não vai mudar nada.
Você diz que vão ocorrer reajustes na agenda ESG. Quais seriam?
Um dos ajustes necessários é entender que net zero (compromisso de zerar as emissões de gases de efeito estufa) não existe. Qualquer produção, qualquer manufatura, qualquer ação emite carbono. O que temos de trabalhar é na descarbonização máxima de forma economicamente viável. Digo que sustentabilidade é algo economicamente viável, ecologicamente correto, socialmente justo e culturalmente diverso. Não se faz sozinho uma agenda ESG de forma equilibrada. Precisa engajar colaboradores e fornecedores, se comunicar com clientes e comunidade. Precisa ter apoio, inclusive, de toda a sociedade e até dos concorrentes. O que se vê agora é um recuo estratégico. Tudo tem de dar retorno.
As empresas americanas aproveitaram a onda para mudar a estratégia?
Pensaram em aproveitar a onda porque, assim, não ficam mal com colaboradores e clientes. Deixaram o governo americano ficar mal. Fizeram um ajuste de rota aproveitando esse momento.
No Brasil também há necessidade de mudança?
Menos do que nos EUA, mas sempre tem uma necessidade de ajuste. Não acho que vai ocorrer no Brasil o mesmo movimento que teve nos Estados Unidos. Mas aqui vamos ver ajustes diários. Para muitos, também é uma oportunidade. Tem gente que diz que o termo ESG está desgastado. Pode chamar do que quiser, Agenda 2030 da ONU. Quem não está adotando ESG, é negacionista da mudança climática, da destruição da biodiversidade, da desigualdade social, é apático, egoísta ou ganancioso. E o Trump é um personagem de assustar.
*Colaborou João Pedro Cecchini