O novo ensaio de guerra mundial comercial de Donald Trump acentua os alertas de especialistas de que a reação do Brasil precisa ser inteligente e cautelosa para não agravar os impactos impostos ao país. Como o presidente dos Estados Unidos ignora toda a legislação sobre comércio internacional, o mundo corre o risco de entrar em território vale tudo, com efeitos ainda imprevisíveis.
Mais cedo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fez uma declaração em tom correto, já que até agora só existe uma ameaça de anúncio feita a caminho do Super Bowl:
— Vamos aguardar a orientação do presidente da República depois das medidas efetivamente implementadas.
Ainda mais cedo, a Folha de S.Paulo havia especulado sobre a possibilidade de o governo taxas big techs americanas em resposta, o que Haddad negou, digamos, taxativamente.
Conforme o ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral, a retaliação comercial não deve ser focada em "vingança econômica", mas usada como ferramenta de negociação futura:
— O objetivo é forçar o outro país a retirar medidas prejudiciais ou a voltar à mesa para um compromisso razoável.
O motivo é simples: assim como a imposição de tarifas por Trump pode ser um "tiro de canhão no pé", como descreveu o ex-embaixador do Brasil nos EUA Roberto Abdenur, retaliar na mesma moeda pode ter... o mesmo efeito. Ou seja, se a adoção de tarifas pelo atual presidente aumenta a inflação americana, replicar a estratégia pode fazer os preços subirem no mercado interno.
Em estudo, Barral sugere três pontos da estratégia nacional de reação à guerra comercial de Trump:
Atingir onde dói politicamente: o Congresso dos EUA molda a política comercial do país tanto quanto a Casa Branca. As tarifas são tema eleitoral em Estados "independentes" (os swing states, sem maioria constante democrata ou republicana) em que a economia é dominada por agricultura e a indústria. Visar a geração de renda nessas regiões pode despertar oposição interna e moderar a guerra de Trump.
Reduzir possíveis danos autoinfligidos: a retaliação deverá pressionar o alvo, sem prejudicar os consumidores ou a indústria nacionais. Uma guerra comercial que alimenta a inflação ou perturba as cadeias de abastecimento internas pode virar um risco político.
Manter a escalada sob controle: guerras comerciais podem sair do controle, desgastando relações econômicas de longo prazo. Retaliações devem ser reversíveis assim que for possível retomar as negociações.
Com base nesses princípios, Barral avalia que a reação do Brasil poderia mirar soja, carne e laticínios, o que afetaria os Estados do meio-oeste americano. Outra alternativa seria explorar as indústrias americanas que dependem de exportações, como a aeroespacial, de bourbon (o uísque americano) e produtos de luxo.
É bom lembrar que essa foi a estratégia adotada pela União Europeia no primeiro mandato de Trump: ameaçou taxar as motos Harley Davidson, os jeans da Levi's e... bourbon.
Uma outra opção do Brasil seria elevar as tarifas de exportação de minerais dos quais os EUA dependem, como lítio e as chamadas "terras raras", cruciais para a indústria de tecnologia – como a China fez com tungstênio, telúrio, bismuto ou molibdênio.
— Taxar exportações desses produtos pode apertar as cadeias de suprimento americanas sem funcionar como um gatilho para a inflação doméstica — reforça Barral.
Leia mais na coluna de Marta Sfredo