De forma tão atabalhoada como havia surgido, o acordo para cobrança de uma taxa nas compras de até US$ 50 em sites estrangeiros fracassou. E por motivos tão absurdos quanto os que haviam permitido que avançasse.
Na terça-feira (4), ainda havia expectativa de que um "jabuti" (tema incluído em projeto sem qualquer relação com o assunto original) permitisse o desfecho.
Uma cizânia alagoana e até familiar entre o relator do projeto no Senado, Rodrigo Cunha (Podemos) e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), causou desacordo. O senador Jaques Wagner (PT-BA), diz que "a história ainda não terminou". Para não terminar, precisará recomeçar.
A primeira contradição é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter adotado a mesma postura do antecessor. Assim como o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o ex da Economia, Paulo Guedes, tentou disciplinar o chamava de "camelódromo virtual".
Bolsonaro barrou por ser impopular, especialmente entre os mais jovens e as camadas de menor renda, onde se concentram as compras em sites como Shein, Shoppee e Alibaba. No governo atual, vinha prevalecendo mesma preocupação. Foi preciso uma crise de relacionamento entre governo e Congresso - especialmente com Lira - para que Lula cedesse à argumentação racional de Haddad.
Outra é o formato com que o assunto voltou à pauta: de carona com um "jabuti" embutido na tramitação do Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover). Esse tráfego é quase usual, embora seja formalmente proibido. Mas a construção de um acordo entre Executivo e Legislativo sobre um casco é mais rara, por incluir insegurança jurídica.
Há outra contradição: a mudança na taxação de 60% para 20%, foi "inspirada" por uma das empresas que passaria a ser tributada. Em nota, a Shoppee, com origem em Cingapura, afirmou apoiar medida "que estabelece a alíquota de 20% de imposto de importação para produtos de até US$ 50 e a isonomia tributária". Antes, havia protestado contra a cobrança de 60%.
A grande maioria dos sites estrangeiros expostos à taxação havia aderido ao programa Remessa Conforme, da Receita Federal, para eliminar um dos problemas decorrentes da isenção tributária, a venda para CNPJs como se fossem CPFs. Mas não resolvia outro, a concorrência desleal com o comércio nacional.
Dias antes do acordo, um novo ator havia se credenciado na Receita, a Temu, também chinesa. Nos Estados Unidos, em dois anos havia alcançado duas vezes mais usuários ativos mensais (51 milhões) do que a Shein, que atuava no país há mais tempo. A expansão é atribuída a marketing agressivo, que tenderia a ser replicado no Brasil. Esse crescimento acelerado por lá suscitava temores aqui, que a tributação poderia suavizar.
Conforme o varejo nacional, a taxa de 20% não soluciona o problema. Estudo do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV) aponta que o varejo digital corresponde a cerca de 14% das vendas no Brasil, mas ao redor de 22% da evasão de impostos estimada entre R$ 95 bilhões e R$ 125 bilhões.