Depois da reunião de segunda-feira (17) dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma velha sigla do orçamento voltou: DRU.
É a Desvinculação das Receitas da União, que permite dividir com outras áreas "sobras" de verbas para saúde e educação. Mas por que "sobra" dinheiro nessas áreas, mesmo entre aspas?
O principal motivo foi diagnosticado desde que ficou claro que o governo Lula perseguiria o equilíbrio fiscal com ênfase do aumento da arrecadação: as despesas com saúde e educação são vinculadas à receita pela Constituição. Se o governo arrecada mais, é obrigado a gastar mais nessas duas áreas, sem que signifique necessariamente melhora na qualidade na prestação dos serviços e com sufocamento das demais áreas desvinculadas.
Criada em 1994, a DRU original permitia dividir com outras áreas até 20% das receitas por regra constitucional para saúde, educação e Previdência. Ainda vigora em versão desidratada até o final deste ano, mas seria eliminada no próximo ano.
Na tentativa de garantir o compromisso com o déficit zero em 2025, deve ser retomada com formato mais semelhante ao que vigorava no passado. Não é, exatamente, uma redução de despesas, como anunciaram Haddad e Tebet com efeito de alívio na turbulência do mercado, mas é uma recomendação feita por vários economistas.
Como se trata de dispositivo constitucional, vai exigir a negociação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) com o Congresso, com toda sua complexidade: votação em dois turnos, com três quintos dos votos. Será o momento de teste para a tese do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de que o Congresso também é responsável pelo equilíbrio fiscal.
Além da reativação da DRU, as declarações de Haddad e Tebet sugerem que o foco do corte é no gasto tributário, ou seja, em incentivos e subsídios concedidos pelo governo federal. Tebet fez questão de elevar a projeção do colega da Fazenda, de R$ 519 bilhões em benefícios tributários, para R$ 646 bilhões, incluindo renúncia fiscal e benefícios financeiros e de crédito. Isso equivale a 6% do PIB, ou seja, 12 vezes a meta de superávit primário prevista para 2025, depois revista por temor de que não fosse atingida.
Atualização: em entrevista à rádio CBN nesta terça-feira (18), Lula confirmou que não descarta desvincular o orçamento, se for convencido de que "tem alguma coisa errada". Como as declarações de Haddad e Tebet foram feitas na segunda (17) depois de reunião com o presidente na Junta de Execução Orçamentária (JEO), esse apoio era presumido. A declaração é importante por ter a palavra presidencial. Na mesma entrevista, Lula voltou a atacar o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, dizendo que "tem lado político" e "trabalha para prejudicar o país". Até o final da manhã, o mercado reagia mais ao sinal do que às palavras: o dólar tem leve baixa, de 0,41%, e bolsa está estável com sinal positivo ("alta" de 0,8%).
Os fatores de pressão no mercado
Falta de perspectiva do início de cortes de juro nos EUA: a taxa alta lá e mais baixa aqui diminui a atratividade de investimentos no mercado financeiro no Brasil, e investidores resgatam aplicações aqui para migrar para mercados mais lucrativos.
Ajuste fiscal: a decisão do governo Lula de reduzir o déficit primário (despesas maiores que receitas antes do pagamento da dívida) só com aumento de arrecadação, sem corte de gastos, é considerada frágil e difícil de manter ao longo dos quatro anos de mandato. A recente ajuda ao Rio Grande do Sul, que eleva os gastos, contribui com essa percepção.
Eleições na Europa: embora fosse esperado o crescimento das bancadas que questionam a União Europeia, a expressiva votação da extrema direita na França fez o presidente Emmanuel Macron convocar eleições em seu país, o que eleva a incerteza na economia.